Carrego nos dedos – onde as palavras crescem
o ímpeto de voar nas névoas encalhadas,
serenos verbos num rio cristalino.
Carrego nas sombras do vento
as chuvas adormecidas no porão,
as melodias das colinas verdes
e as memórias do mosto de Setembro.
No manto frio dos espaços lentos
e nos brancos de cal, carrego
o horizonte anil sem princípio,
o musgo nas ameias dos abraços,
pedras e silêncios nas velhas portadas.
No mar raso de um sopro
e na nortada que assobia, carrego
a luz que chora estendida
na corda da alma e no casulo
transparente da dor e do vazio.
Carrego rios de saudade no céu do peito,
o cheiro a acre nas ruínas da lua,
as cores com que acorda a terra lavrada
e os aromas das folhas soltas.
Carrego o fogo dentro da pele
e a névoa encalhada das dobras do corpo
nas nuvens sombrias da noite.
E no peso do cordel do tempo
nas horas em que existo,
a escuridão reforma-se.
Carrego… e construo-me!
[ © António Carlos Santos ]
Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/