sábado, 9 de setembro de 2017




Baladas Românticas - Verde...

Como era verde este caminho!
Que calmo o céu! que verde o mar!
E, entre festões, de ninho em ninho,
A Primavera a gorjear!...
Inda me exalta, como um vinho,
Esta fatal recordação!
Secou a flor, ficou o espinho...
Como me pesa a solidão!

Órfão de amor e de carinho,
Órfão da luz do teu olhar,
- Verde também, verde-marinho,
Que eu nunca mais hei de olvidar!
Sob a camisa, alva de linho,
Te palpitava o coração...
Ai! coração! peno e definho,
Longe de ti, na solidão!

Oh! tu, mais branca do que o arminho,
Mais pálida do que o luar!
- Da sepultura me avizinho,
Sempre que volto a este lugar...
E digo a cada passarinho:
"Não cantes mais! que essa canção
Vem me lembrar que estou sozinho,
No exílio desta solidão!"

No teu jardim, que desalinho!
Que falta faz a tua mão!
Como inda é verde este caminho...
Mas como o afeia a solidão!

Olavo Bilac, in "Poesias"



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sexta-feira, 8 de setembro de 2017




De  Mamnhã  Cedo

Minha esposa querida e boa.
Minha bem amada esposa,
Que logo pela manhã
Negro café, branco leite,

É ela mesma quem serve!
E com que encanto, que sorriso!
Em todo o mundo de Cristo
Não há quem sorria assim.

E a flauta que é sua voz
Só entre os anjos se encontra.
Cá por baixo, quando muito,
Entre os melhores rouxinóis.

E as mãos que são como lírios
E os cabelos que entressonham
Em volta do róseo rosto!
Ah, tudo nela é perfeito!
Hoje, porém, ocorreu-me
- Não sei porquê - que um pouquinho
Mais elegante o seu corpo
Pudera ser. Um pouquinho.
Seu beijo doce é meu apego,
Sem falar na ardência final.

Christian Johann Heinrich Heine



Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/

quinta-feira, 7 de setembro de 2017




A mulher que quero

Eu quero uma mulher de aço
que seja leve como a pena,
cujo sorriso seja um laço
a me prender como um poema.
Eu quero uma mulher madura
a me guiar durante o dia,
quando for noite ser vadia
a me domar sem armadura
e a me tomar como num sonho,
uma mulher que seja a lua
dentro do sol em que me ponho.
Eu quero uma mulher de ferro
com um aplauso pra quando acerto
e um perdão pra quando erro,
como alguém que seja o brilho
dentro do escuro em que me encerro.
Uma mulher que seja plena
uma amante de verdade
que seja motivo de lembrança
e um intervalo na saudade
que, diurna, me cuida,
mas que, noturna me invade.
Eu quero uma mulher-mãe
que seja vinho, cerveja,
refrigerante, champanhe,
que me entenda se viajo
e se fico me acompanhe.
Eu quero uma mulher toda
que me edifique como homem
e algo depois me exploda.

Pio Vargas

7 De Setembro de 1964 nasce Pio Vargas, poeta brasileiro (m. 1991).


quarta-feira, 6 de setembro de 2017




Entrei no café com um rio na algibeira
e pu-lo no chão,
a vê-lo correr
da imaginação...

A seguir, tirei do bolso do colete
nuvens e estrelas
e estendi um tapete
de flores
a concebê-las.

Depois, encostado à mesa,
tirei da boca um pássaro a cantar
e enfeitei com ele a Natureza
das árvores em torno
a cheirarem ao luar
que eu imagino.

E agora aqui estou a ouvir
A melodia sem contorno
Deste acaso de existir
-onde só procuro a Beleza
para me iludir
dum destino.

José Gomes Ferreira 
(n. Porto 9 Jun 1900; m. Lisboa, 8 Fev 1985)



 Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/

terça-feira, 5 de setembro de 2017





Para Pablo Neruda

A hora aproxima-se!

Não mais choverá
sangue em Santiago
Das amarguras semeadas
hão-de florir certezas.
Nessa hora, Neruda
todos os poetas do Mundo
marcharão sobre a tua Pátria
e cantarão no enterro
do sangue e dos tiranos.
Nessa hora, Neruda
estaremos contigo
estaremos com teu povo
na mesma luta
na mesma revolta
na mesma esperança.
A hora aproxima-se!

António Pires Vicente


Fonte: http://diastransparentes.blogspot.pt/

segunda-feira, 4 de setembro de 2017




A PONTE

Vidraças que me separam
Do vento fresco da tarde
Num casulo de silêncio
Onde os segredos e o ar
São as traves duma ponte
Que não paro de lançar

Fica-se a ponte no espaço
À espera de quem lá passe
Que o motivo de ser ponte
Se não pára a construção
Vai muito mais a vontade
De estarem onde não estão

Vem a noite e o seu recado
Sua negra natureza
talvez a lua não falte
Ou venha a chuva de estrelas
Basta que o sono consinta
A confiança de vê-las

Amanhã o novo dia
Se o merecer e me for dado
Um outro pilar da ponte
Cravado no fundo do mar
Torna mais breve a distância
Do que falta caminhar

Há sempre um ponto de mira
O mais comum horizonte
Nunca as pontes lá chegaram
Porque acaba o construtor
Antes que a ponte se entronque
Onde se acaba o transpor

Sobre o vazio do mar
Desfere o traço da ponte
Vá na frente a construção
Não perguntem de que serve
Esta humana teimosia
Que sobre a ponte se atreve

Abro as vidraças por fim
E todo o vento se esquece
Nenhuma estrela caiu
Nem a lua me ajudou
Mas a ruiva madrugada
Por trás da ponte aparece.


José Saramago

In Provavelmente Alegria, 1987 



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