sábado, 16 de março de 2019







Anda, Vem

Anda, vem... por que te négas,
Carne morêna, toda perfume?
Por que te cálas,
Por que esmoreces
Boca vermêlha, - rosa de lume!

Se a luz do dia
Te cóbre de pêjo,
Esperemos a noite presos n'um beijo.

Dá-me o infinito goso
De contigo adormecer,
Devagarinho, sentindo
O arôma e o calôr
Da tua carne, - meu amôr!

E ouve, mancebo aládo,
Não entristeças, não penses,
- Sê contente,
Porque nem todo o prazer
Tem peccado...

Anda, vem... dá-me o teu corpo
Em troca dos meus desejos;

Tenho Saudades da vida!
Tenho sêde dos teus beijos!


António Botto, poeta português (1897-1959).

in 'Canções'




Fonte: http://www.citador.pt/
Imagem: https://www.pinterest.pt/cinafraga/


segunda-feira, 11 de março de 2019





Antes que Seja Tarde


Amigo,
Tu que choras uma angústia qualquer
E falas de coisas mansas como o luar
E paradas
Como as águas de um lago adormecido,
Acorda!
Deixa de vez
As margens do regato solitário
Onde te miras
Como se fosses a tua namorada.
Abandona o jardim sem flores
Desse país inventado
Onde tu és o único habitante.
Deixa os desejos sem rumo
De barco ao deus-dará
E esse ar de renúncia
Às coisas do mundo.
Acorda, amigo,
Liberta-te dessa paz podre de milagre
Que existe
Apenas na tua imaginação.
Abre os olhos e olha,
Abre os braços e luta!
Amigo,
Antes da morte vir
Nasce de vez para a vida.



Manuel da Fonseca, in "Poemas Dispersos"





Fonte: http://www.citador.pt/

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