Quando, à noite, no leito perfumado
Lânguida fronte no sonhar reclinas,
No vapor da ilusão por que te orvalha
Pranto de amor as pálpebras divinas?
E, quando eu te contemplo adormecida
Solto o cabelo no suave leito,
Por que um suspiro tépido ressona
E desmaia suavíssimo em teu peito?
Virgem do meu amor, o beijo a furto
Que pouso em tua face adormecida
Não te lembra do peito os meus amores
E a febre do sonhar de minha vida?
Dorme, ó anjo de amor! no teu silêncio
O meu peito se afoga de ternura...
E sinto que o porvir não vale um beijo
E o céu um teu suspiro de ventura!
Um beijo divinal que acende as veias,
Que de encantos os olhos ilumina,
Colhido a medo, como flor da noite,
Do teu lábio na rosa purpurina...
E um volver de teus olhos transparentes,
Um olhar dessa pálpebra sombria
Talvez pudessem reviver-me n’alma
As santas ilusões de que eu vivia!
Manuel Antônio Álvares de Azevedo
Painting by Serge Marshennikov