sábado, 14 de dezembro de 2019





O corpo do bailarino
é simplesmente a manifestação
luminosa da alma.



Isadora Duncan Bailarina





O Que eu Quero



Eu quero nesta vida um sonho lindo
Que passe como a nuvem cor de rosa,
Hei-de dizer, depois cerrando os olhos
Oh! Flor do cemitério, és bem formosa.

Não quero muito não: à fresca sombra
Do viçoso jardim da mocidade,
Quero dois dias m´embalar tranqüilo
Gozando amor em doce liberdade.

Quero ver sempre o céu puro e sereno,
Nuvens de ar e o sol sempre dourado,
E aos doces beijos da mulher que amo
Hão de ir morrendo as dores do passado.

Debaixo da mangueira eu hei de vê-la
Ao meio da languia dormindo,
Soltos cabelos flutuando ao vento,
Nos eu sonho gentil irá sorrindo.

À noite quando a lua dos amores
Vier chorar debaixo do arvoredo,
Encostada indolente no meu ombro
Ela há de ouvir-me virginal segredo.

OH! sombra dos amores tão formosa
Como é viva e formosa a borboleta,
Eu serei para ti - a doce aragem,
Tu serás para mim - a violeta.

Quero dois dias - na macia grama
Reclinado a sonhar sobre um canteiro!
Passarei minha horas perfumadas
Como a cândida flor do jasmineiro.

Será vida bem curta, porém bela!
Sem ambição, sem glórias e sem dores,
Basta um raio de sol tendo ao meu lado
Uns lábios de mulher e algumas flores.

Posso morrer depois, e que m'importa
Tendo a vida corrido vaporosa!
Que hei de murmurar, cerrando os olhos,
Ó flor do cemitério, és bem formosa!




Pedro Luís Pereira de Sousa, poeta e político brasileiro (1839-1884)



Foto: Pesquisa Google

terça-feira, 10 de dezembro de 2019






As palavras de amor


Esqueçamos as palavras, as palavras:
As ternas, caprichosas, violentas,
As suaves de mel, as obscenas,
As de febre, as famintas e sedentas.

Deixemos que o silêncio dê sentido
Ao pulsar do meu sangue no teu ventre:
Que palavra ou discurso poderia

Dizer amar na língua da semente?




José Saramago, 



in "Provavelmente alegria". Lisboa: Editorial Caminho, 1985.



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segunda-feira, 9 de dezembro de 2019






Alvejava de neve outrora a rosa,
Nem como agora, doce recendia;
Baixo voava Amor sem tento um dia,
E na rama espinhosa
De sua flor virgínea se feria.
Do sangue divina! gota amorosa
Da ligeira ferida lhe corria,
E as flores da roseira onde caía
Tomavam do encarnado a cor lustrosa.
Agora formosa
A rúbida flor
Recorda de Amor
A chaga ditosa.

Para os braços da mãe voou chorando;
Um beijo lhe acalmou penas e ardores:
E tão doce o remédio achou das dores,
Que Amor só desejou de quando em quando
Que assim penando,
Com seus clamores
Novos favores
Fosse alcançando.

Súbito voa, pelos ares fende;
As rosas viu de sua dor trajadas,
E que só de suas glórias namoradas
Nada dissessem com razão se ofende:
A mão lhe estende,
E delicioso
Cheiro amoroso
Nelas recende.

Vós que as rosas gentis buscais, amantes,
Nos jardins do prazer,
E, em vez da flor, espinhos penetrantes
Só chegais acolher,
Resignados sofrei, sede constantes,
Que a desventura,
Que a mágoa e dor
Sempre em doçura
Converte Amor.



Almeida Garrett, escritor português (1799-1854).




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Sou composta por urgências:
minhas alegrias são intensas;
minhas tristezas, absolutas.
Entupo-me de ausências,
Esvazio-me de excessos.
Eu não caibo no estreito,
eu só vivo nos extremos.

Pouco não me serve,
médio não me satisfaz,
metades nunca foram meu forte!

Todos os grandes e pequenos momentos,
feitos com amor e com carinho,
são pra mim recordações eternas.
Palavras até me conquistam temporariamente...
Mas atitudes me perdem ou me ganham para sempre.

Suponho que me entender
não é uma questão de inteligência
e sim de sentir,
de entrar em contato...
Ou toca, ou não toca.



Clarice Lispector, escritora brasileira (1920-1977).



Foto: Pesqisa Google