sábado, 17 de fevereiro de 2018




Talvez...

Seremos belos!
Nossa fronte,
Há de doirá-la a mesma juventude,
Que hoje nos cerca de um clarão sagrado!
Haverá nos teus lábios esse mesmo
Beijo vibrante que me trazes hoje!
E nos olhos terás o mesmo encanto
Que neles me seduz e prende agora!

Sim: no milagre desse instante ardente,
Nessa ressurreição maravilhosa,
Nós brilharemos juntos, aureolados
De um novo amor e de um carinho novo!

E então esse paciente amigo nosso
Volverá para nós, nos dias de hoje,
Toda a sua saudade religiosa,
E invejará, talvez, piedosamente,
Essa breve, ligeira hora de sonho,
Que hoje os destinos deixam que vivamos...


Múcio Leão, poeta e jornalista brasileiro 1898/1969

 (Poesias, 1949.)



Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/

domingo, 11 de fevereiro de 2018




Espelho 


Sou de prata e exacto. Não faço pré-julgamentos.
O que vejo engulo de imediato
Tal como é, sem me embaçar de amor ou desgosto.
Não sou cruel, simplesmente verídico —
O olho de um pequeno deus, de quatro cantos.
Reflicto todo o tempo sobre a parede em frente.
É rosa, manchada. Fitei-a tanto
Que a sinto parte do meu coração. Mas cede.
Faces e escuridão insistem em separar-nos.
Agora eu sou um lago. Uma mulher se encosta a mim,
Buscando na minha posse o que realmente é.
Mas logo se volta para aqueles farsantes, o brilho e a lua.
Vejo as suas costas e reflicto-as na íntegra.
Ela paga-me em choro e em agitação de mãos.
Eu sou importante para ela. Ela vai e vem.
A cada manhã a sua face alterna com a escuridão.
Em mim se afogou uma menina, e em mim uma velha
Salta sobre ela dia após dia como um peixe horrível.

Sylvia Plath, escritora estadunidense  1932/1963

(tradução inédita de Pedro Calouste)

Foto: francesca woodman mirror photography
Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/