sábado, 17 de junho de 2017




Limite

A mulher está perfeita.
Seu corpo
Morto enverga o sorriso de completude,
A ilusão de necessidade
Grega voga pelos veios da sua toga,
Seus pés
Nus parecem dizer:
Já caminhamos tanto, acabou.
Cada criança morta, enrodilhada, cobra branca,
Uma para cada pequena
Tigela de leite vazia.
Ela recolheu-as todas
Em seu corpo, como pétalas
Da rosa que se encerra, quando o jardim
Enrija e aromas sangram
Da fenda doce, funda, da flor noturna.
A lua não tem porque estar triste
Espectadora de touca
De osso; ela está acostumada.
Suas crateras trincam, fissura.

Sylvia Plath

(Tradução  Luiz Carlos de Brito Rezende)



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sexta-feira, 16 de junho de 2017




De Lírios

Sacudi a madrugada
Qual amante despeitada
Suportei o sonho promíscuo

Palavras na lavra
Oculta da tua boca
Perdem-se nas paredes do teu corpo ...

O despertar
Um prometido


ISABEL FERREIRA (Poeta Angolana)



Painting by Serge Marshennikov




Paisagem

Desejei-te pinheiro à beira-mar
para fixar o teu perfil exacto.

Desejei-te encerrada num retrato
para poder-te contemplar.

Desejei que tu fosses sombra e folhas
no limite sereno dessa praia.

E desejei: «Que nada me distraia
dos horizontes que tu olhas!»

Mas frágil e humano grão de areia
não me detive à tua sombra esguia.

(Insatisfeito, um corpo rodopia
na solidão que te rodeia.)


David Mourão-Ferreira, in "A Secreta Viagem"


Fonte:http://www.citador.pt/

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quinta-feira, 15 de junho de 2017




UM CERTO OLHAR

Um certo olhar o que me diz?
És tu, num reencontro antigo?
Segues e eu, sem voz, chamo por ti
Tu segues sem ouvir o meu desejo
E te chamo com os olhos
Dos teus passos lentos
Fazes-me crer que não somos
Velhos corpos sem vigor
Fazes-me crer que sou teu flerte
Dos anos sessenta
Fazes-me crer que o tempo
Ainda não passou
De mãos dadas, fazes-me crer
Que não somos vidas esquecidas
Um certo olhar é o teu e é o meu
Lembrando os beijos quentes no portão
Façamos crer que estamos abraçados
Sem o olhar recolhido
E sem as veias hipertensas
Façamos crer que as ruas se enfeitam
Com a nossa alegria
Façamos crer que ainda existe amor
E há rios de paixão fazendo fluir
As nossas vidas.

Paulo da Costa Carvalho Junior

RECIFE-PE, 05 DE MAIO DE 2017


Foto:https://www.pinterest.pt/cinafraga/



Tão delicada...


Tão delicada, és semelhante
À alva flor da cerejeira.
E como um anjo entre os mortais
Surges da minha vida à beira.

Nem bem tu tocas o tapete,
A seda soa ao teu pisar
E da cabeça até os pés
Pairas num sonho, a flutuar.

Das dobras longas do vestido,
Como do mármore, ressais,
Presa a minh’alma aos olhos teus
Cheios de lágrimas e ais.

Ó sonho meu feliz de amor,
Noiva suave, de outras lendas,
Não me sorrias! Se sorrires
Tua doçura me desvendas.

Podes, no encanto da tua noite,
Deixar-me os olhos sempre baços
E com o murmúrio de tua boca
No frio enredo dos teus braços.
  
Súbito, passa um pensamento
No véu do teu ardente olhar:
É a renúncia penumbrosa,
Sombra de doce suspirar.

Te vais e eu bem compreendi
Não mais deter o passo teu;
Perdida, sempre, para mim,
Noiva imortal no peito meu!

Pois ter-te visto é culpa minha,
Da qual jamais terei perdão;
Expiarei sonho de luz
A mão direita erguendo, em vão.

Ressurgirás como uma aura
Da eterna virgem, de Maria,
Em tua fronte uma coroa...
Aonde tu vais? Voltas um dia?


Mihai Eminescu
Tradução: Luciano Maia


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quarta-feira, 14 de junho de 2017




Lágrimas, inúteis lágrimas
Não sei o que significam,
Lágrimas vindas do fundo
De alguma aflição sublime
Emergem no coração,
E chegam até os olhos,
Vendo os alegres campos outonais
E pensando nos dias que não mais existem.
Novas qual primeiro raio
Cintilando numa vela,
Que traz aqui para cima
Os amigos do submundo,
Triste como as derradeiras
Que fazem corar alguém
Que afunda com tudo o que amamos sob a borda;
Tão tristes novos dias que não mais existem.
Tristes e estranhas como em
Sombria alba de verão
Primeiro pio de aves semilúcidas
Para ouvidos moribundos,
Quando pra olhos decadentes
Lentamente a janela desenvolve
Um quadrado de luz tênue;
Tristes, estranhos dias que não mais existem.
Diletas tal qual beijos
Na memória após a morte,
E suaves como aqueles
Que em afeto sem fé fingem
Nos lábios que são para outros;
Profundas como é o amor,
Como é o primeiro amor,
E insano com toda a pena;

Ó Morte em Vida, os dias que não mais existem!


Alfred Tennyson


Foto: Vinc Vincenty

terça-feira, 13 de junho de 2017





Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.


Eugénio de Andrade, in “Poesia e Prosa” 



Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/


segunda-feira, 12 de junho de 2017





Como é belo seguir-te
ó jovem que ondeias
tranqüilo pelas ruas noturnas.
Se paras numa esquina, longe
eu pararei, longe
de tua paz, -- ó ardente
solidão a minha.

Sandro Penna



Tradução de Geraldo Holanda Cavalcanti.
Fonte: http://revistamododeusar.blogspot.pt

Imagem: Vince chi fugge