sexta-feira, 29 de junho de 2018





O Espelho de Água

O meu espelho, mais profundo que a orbe
Onde todos os cisnes se afogaram.

É um tanque verde na muralha
E no meio dorme a tua nudez ancorada.

Sobre as suas ondas, debaixo de céus sonâmbulos,
Os meus sonhos afastam-se como barcos.

De pé sobre a popa ver-me-eis sempre a cantar,
Uma rosa secreta cresce no meu peito
E um rouxinol ébrio esvoaça no meu dedo.

Vicente Huidobro, Chile
1893-1948
(O Mar na poesia da América latina)

Tradução de poemas
José Agostinho Baptista




Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/

terça-feira, 26 de junho de 2018





Porque os outros se mascaram mas tu não

Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.


Sophia de Mello Breyner Andresen





Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/