quinta-feira, 21 de abril de 2022

 

 


 

 

Toma-me

 

Toma-me. A tua boca de linho sobre a minha boca

Austera. Toma-me agora, antes

Antes que a carnadura se desfaça em sangue, antes

Da morte, amor, da minha morte, toma-me

Crava a tua mão, respira meu sopro, deglute

Em cadência minha escura agonia.

 

Tempo do corpo este tempo, da fome

Do de dentro. Corpo se conhecendo, lento,

Um sol de diamante alimentando o ventre,

O leite da tua carne, a minha

Fugidia.

E sobre nós este tempo futuro urdindo

Urdindo a grande teia. Sobre nós a vida

A vida se derramando. Cíclica. Escorrendo.

 

Te descobres vivo sob um jogo novo.

Te ordenas. E eu deliquescida: amor, amor,

Antes do muro, antes da terra, devo

Devo gritar a minha palavra, uma encantada

Ilharga

Na cálida textura de um rochedo. Devo gritar

Digo para mim mesma. Mas ao teu lado me estendo

Imensa. De púrpura. De prata. De delicadeza.

 

 

Hilda Hilst, 

 

Poetisa, escritora e dramaturga brasileira (1930-2004).

 

quarta-feira, 20 de abril de 2022

 

 

 


 

 

Conheço esse sentimento

que é como a cerejeira

quando está carregada de frutos:

excessivo peso para os ramos da alma.

Conheço esse sentimento

que é o da orla da praia

lambida pela espuma da maré:

quando o mar se retira

as conchas são pequenas saudades

que doem no coração da areia.

Conheço esse sentimento

que é o dos cabelos do salgueiro

revoltos pelas mãos ágeis da tempestade:

na hora quieta do amanhecer

pendem-lhe tristemente os braços

vazios do amado corpo do vento.

Conheço esse sentimento

que passa nos teus olhos e nos meus

quando de mãos dadas

ouvimos o Requiem de Mozart

ou visitamos a nave de Alcobaça.

Pedro e Inês

a praia e a maré

o salgueiro e o vento

a verdade e o sonho

o amor e a morte

o pó das cerejeiras

tu.

e eu.

 

 

Rosa Lobato Faria, em 'Dispersos'

 

 

segunda-feira, 18 de abril de 2022

 

 

 


 

 

Murmúrios do mar

 

"Paga-me um café e

conto-te a minha vida" o inverno avançava

nessa tarde em que te ouvi assaltado por dores

o céu quebrava-se aos disparos de uma criança

muito assustada que corria o vento batia-lhe no

rosto com violência a infância inteira disso me

lembro outra noite cortaste o sono da casa

com frio e medo apagavas cigarros nas palmas das

mãos e os que te viam choravam mas tu

não, nunca choraste por amores que se perdem os

naufrágios são belos sentimo-nos tão vivos entre as

ilhas, acreditas? E temos saudades desse mar

que derruba primeiro no nosso corpo tudo o que

seremos depois "pago-te um café se me contares

o teu amor"

 

.

José Tolentino Mendonça

 

Presbítero, poeta e teólogo português. É professor e vice-reitor na Universidade Católica Portuguesa.

domingo, 17 de abril de 2022

 

 

 



 

 

Que a tua sabedoria não seja humilhação para o teu próximo. Guarda domínio sobre ti mesmo e nunca te abandones à tua cólera. Se esperas a paz definitiva, sorri ao destino que te fere; não firas ninguém.

 

 

Omar Khayyám

 

 

Artist Dimitar Voinov Junior

 

Димитър Войнов-младши - was born in Sofia, Bulgaria. In 1990 graduated The High School of Fine Arts “I. Petrov” Sofia. In 1997 graduated fresco in the National Art Academy, Sofia.

 

He has above 22 individual exhibitions. He has a prize “Silver Vazrazdane” for painting.

 

Lives and works in Sofia. Since 1997 participation in a great number of collective exhibitions in Bulgaria, Switzerland, Turkey, Cyprus, Germany, France, England.