sábado, 13 de maio de 2017




repara!

as flores erguem-se
como estrelas de um céu
que é o jardim cheio d’orvalho
e caem, uma após uma,
como se um génio viesse
para escutar seus segredos,
e por elas fosse lapidado.



Abûl - Fadl Ibn Al - A – Lam
Portugal - Faro
Séc. XII Reinado de Almoravida
in Adalberto Alves - O meu Coração é Árabe

Assirio & Alvim



Fonte: https://www.pinterest.pt/cinafraga/
Imagem: Google


sexta-feira, 12 de maio de 2017





Bela como a prata era a minha amada.
Por sua grande beleza,
sofro agora.
Porque terá nascido o sol
onde noutros dias morre?
E porque baixou o sol
onde noutros dias sobe?
Assim mudou teu coração
minha amada.


Chile, Araucanos
Séc. XVII-XVIII?
Trad. Herberto Helder
in Rosa do Mundo – 2001 poemas para o futuro

Editor: Assirio & Alvim


Fonte:http://cantodaalma-cantodaalma.blogspot.pt/
Painting by Serge Marshennikov.

quinta-feira, 11 de maio de 2017




Devagar te amo, e devagar assomo
os dedos à altura dos olhos, do cabelo
dos anéis de outro turno, que é só meu
por querê-lo, meu amor, como a ti mesma quero
nos tempos de passado e sem futuro.
Devagar avanço um dealbar de dias
que vida seriam, mesmo que morto, à noite,
eu voltasse amargurado mas presente,
calado e quedo, e devagar amando.



Pedro Tamen, 
Rua de Nenhures 







Foto:https://www.pinterest.pt/cinafraga/

quarta-feira, 10 de maio de 2017




Eu vi um rosa
- Uma rosa branca -
Sozinha no galho.
No galho? Sozinha
No jardim, na rua.

Sozinha no mundo.

Em torno, no entanto,
Ao sol de meio-dia,
Toda a natureza
Em formas e cores
E sons esplendia.

Tudo isso era excesso.

A graça essencial,
Mistério inefável
- Sobrenatural -
Da vida e do mundo,
Estava ali na rosa
Sozinha no galho.

Sozinha no tempo.

Tão pura e modesta,
Tão perto do chão,
Tão longe na glória,
Da mística altura,
Dir-se-ia que ouvisse
Do arcanjo invisível
As palavras santas
De outra Anunciação


Manuel Bandeira 

terça-feira, 9 de maio de 2017




Sobre a tua cabeleira hei-de pôr, para as núpcias,
uma coroa de borboletas com suas
asas pintadas

Terás de volta ao pescoço flores de abóbora,
em prata,
e a lua que para ti noites e noites forjei.

Andarás pelo povo sobre um cavalo em turquesa.
Um cavalo ardente e leve, animado
pelo meu fogo de amor.

E a teus pés eu lançarei uma pedra quente  quente:
o coração onde correm
milhões de gotas de sangue.



Povo Índio
América do Norte
Séc. XVIII-XIX
Trad.Herberto Helder
In Rosa do Mundo – 2001 poemas para o futuro

Editor: Assirio & Alvim


Fonte: http://cantodaalma-cantodaalma.blogspot.pt/

segunda-feira, 8 de maio de 2017




Sou ferida aguda em brasa, e ardo
atormenta-me a luz, e o orvalho,
é a ti que quero, por ti eu vim,
desejo mais tormentos: a ti quero.

Flameje, branqueada, a tua chama:
os beijos doem, doem os desejos,
és o meu tormento, minha geena
eu quero-te muito, quero-te muito!

Desejo rasgou-me, beijo fez sangue,
sou ferida em brasa fome de tormentos
novos, dá-mos, a este esfomeado:
sou ferida, beija-me, queima-me, queima-me.

Ady Endre

(Hungria 1877-1919)


Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/

domingo, 7 de maio de 2017




No Sorriso Louco das Mães
No sorriso louco das mães batem as leves
gotas de chuva. Nas amadas
caras loucas batem e batem
os dedos amarelos das candeias.
Que balouçam. Que são puras.
Gotas e candeias puras. E as mães
aproximam-se soprando os dedos frios.
Seu corpo move-se
pelo meio dos ossos filiais, pelos tendões
e órgãos mergulhados,
e as calmas mães intrínsecas sentam-se
nas cabeças filiais.
Sentam-se, e estão ali num silêncio demorado e apressado
vendo tudo,
e queimando as imagens, alimentando as imagens
enquanto o amor é cada vez mais forte.
E bate-lhes nas caras, o amor leve.
O amor feroz.
E as mães são cada vez mais belas.
Pensam os filhos que elas levitam.
Flores violentas batem nas suas pálpebras.
Elas respiram ao alto e em baixo. São
silenciosas.
E a sua cara está no meio das gotas particulares
da chuva,
em volta das candeias. No contínuo
escorrer dos filhos.
As mães são as mais altas coisas
que os filhos criam, porque se colocam
na combustão dos filhos, porque
os filhos estão como invasores dentes-de-leão
no terreno das mães.
E as mães são poços de petróleo nas palavras dos filhos,
e atiram-se, através deles, como jactos
para fora da terra.
E os filhos mergulham em escafandros no interior
de muitas águas,
e trazem as mães como polvos embrulhados nas mãos
e na agudeza de toda a sua vida.
E o filho senta-se com a sua mãe à cabeceira da mesa,
e através dele a mãe mexe aqui e ali,
nas chávenas e nos garfos.
E através da mãe o filho pensa
que nenhuma morte é possível e as águas
estão ligadas entre si
por meio da mão dele que toca a cara louca
da mãe que toca a mão pressentida do filho.
E por dentro do amor, até somente ser possível
amar tudo,
e ser possível tudo ser reencontrado por dentro do amor.

Herberto Helder, 
in 'Excerto do poema «Fonte», publicado em A Colher na Boca, 1961'




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