sábado, 29 de julho de 2017




Eu ouço música
como quem apanha chuva:
resignado
e triste
de saber que existe um mundo
do Outro Mundo...
Eu ouço música como
quem está morto
e sente
já um profundo
desconforto
de me verem
ainda neste mundo de cá...
Perdoai,
maestros,
meu estranho ar!
Eu ouço música
como um anjo doente
que não pode voar.

Mario Quintana




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sexta-feira, 28 de julho de 2017




TODAVIA

Não creio, todavia,
Estás chegando a meu lado,
E a noite é um punhado
De estrelas e de alegria.

Apalpo, sinto o gosto,
Vejo teu rosto, teu passo largo,
tuas mãos e, no entanto,
Ainda não creio, todavia.

teu regresso tem tanto
Que ver contigo e comigo
Que por sorte te digo
E canto,
Ninguém pode substituí-lo
E as coisas mais triviais,
Se tornam fundamentais,
Porque estas a chegar.

No entanto, todavia,
Chego a duvidar de minha sorte,
Porque tê-lo junto a mim
Às vezes parece fantasia.

Mas vem,
Com certeza,
E vem com teu olhar
E por isso tua chegada
Torna mágico o futuro.

E ainda que nem sempre
Eu tenha entendido
Minhas culpas e fracassos
Sei, para compensar,
Que, em teus braços,
O mundo tem sentido.

E se beijo a ousadia
E o mistério dos teus lábios,
Não há dúvida
De que o amarei mais
A cada dia,
Todavia.


Mario Benedetti



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quinta-feira, 27 de julho de 2017





É impossível no mundo
estarmos juntos
ainda que do meu lado adormecesses.
O véu que protege a vida
nos separa.
O véu que protege a vida
nos protege.
aproveita, pois,
que é tudo branco agora,
à boca do precipício,
neste vórtice
e fala
nesta clareira aberta pela insônia
quero ouvir tua alma
a que mora na garganta
como em túmulos
esperando a hora da ressurreição,
fala meu nome
antes que eu retorne
ao dia pleno,
à semi-escuridão


Adélia Prado (Escritora e Poetisa brasileira, 1935)



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quarta-feira, 26 de julho de 2017




Amar

Amar é fazer o ninho,
Que a duas almas contém,
Ter medo de estar sozinho,
Dizer com lágrimas: vem,
Flor, querida, noiva, esposa...
Cabemos na mesma lousa...
Julieta, eu sou Romeu:
Correr, gritar: onde vamos?
Que luz! que cheiro! onde estamos?
E ouvir uma voz: no céu!

Vagar em campos floridos
Que a terra mesma não tem;
Chegamos loucos, perdidos
Onde não chega ninguém...
E, ao pé de correntes calmas,
Que espelham virentes palmas,
Dizer-te: senta-te aqui;
E além, na margem sombria,
Ver uma corça bravia,
Pasmada, olhando p'ra ti!

Tobias Barreto




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segunda-feira, 24 de julho de 2017




Amigos
Se viesses em um coche
E eu vestisse um traje de camponês
E nos encontrássemos um dia na rua
Descerias e farias reverência.
E se vendesses água
E eu viesse montado em um cavalo
E nos encontrássemos um dia na rua
Desceria eu a te cumprimentar.

Poeta desconhecido (c. 100 a.C.)

- Bertolt Brecht, em "Poemas 1913-1956



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domingo, 23 de julho de 2017






Que renda fez a tarde no jardim,
Que há cedros que parecem de enxoval?
Como é difícil ver o natural
Quando a hora não quer!
Ah! não digas que não ao que os teus olhos
Colham nos dias de irrealidade.
Tudo então é verdade,
Toda a rama parece
Um tecido que tece
A eternidade.


Miguel Torga


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