sábado, 12 de novembro de 2022

 

 

 


 

 

Olha como, cortando os leves ares,

 Passam do vale ao monte as andorinhas;

 Vão pousar na verdura dos palmares,

 Que, à tarde, cobre transparente véu;

 Voam também como essas avezinhas

 Meus sombrios, meus tristes pensamentos;

 Zombam da fúria dos contrários ventos,

 Fogem da terra, acercam-se do céu.

 

Porque o céu é também aquela estância

 Onde respira a doce criatura,

 Filha do nosso amor, sonho da infância,

 Pensamento dos dias juvenis.

 Lá, como esquiva flor, formosa e pura,

 Vives tu escondida entre a folhagem,

 Ó rainha do ermo, ó fresca imagem

 Dos meus sonhos de amor calmo e feliz!

 

Vão para aquela estância enamorados,

 Os pensamentos de minh'alma ansiosa;

 Vão contar-lhe os meus dias gozados

 E estas noites de lágrimas e dor.

 

Na tua fronte pousarão, mimosa,

 Como as aves no cimo da palmeira,

 Dizendo aos ecos a canção primeira

 De um livro escrito pela mão do amor.

 

Dirão também como conservo ainda

 No fundo de minh'alma essa lembrança

 De tua imagem vaporosa e linda,

 Único alento que me prende aqui.

 

E dirão mais que estrelas de esperança

 Enchem a escuridão das noites minhas.

 Como sobem ao monte as andorinhas,

 Meus pensamentos voam para ti.

 


 Joaquim Maria Machado de Assis

 

 

 

 

 

Publicado no livro Falenas: Vária, Lira Chinesa, Uma Ode a Anacreonte, Pálida Elvira (1870). Poema integrante da série Vária.

 

 

Joaquim Maria Machado de Assis foi um escritor brasileiro, amplamente considerado como o maior nome da literatura nacional.


quinta-feira, 10 de novembro de 2022

 

 

 



 

Não contes do meu

Vestido

Que tiro pela cabeça

 

Nem que corro os

Cortinados

Para uma sombra mais espessa

 

Deixa que feche o

Anel

Em redor do teu pescoço

Com as minhas longas

Pernas

E a sombra do meu poço

 

Não contes do meu

Novelo

Nem da roca de fiar

 

Nem o que faço

Com eles

A fim de te ouvir gritar

 

 

 

Maria Teresa Horta