segunda-feira, 15 de maio de 2017




Dai-me um dia branco,
um mar de beladona
Um movimento
Inteiro, unido, adormecido
Como um só momento.
Eu quero caminhar como quem dorme
Entre países sem nome que flutuam.
Imagens tão mudas
Que ao olhá-las me pareça
Que fechei os olhos.
Um dia em que se possa não saber.

(Sophia de Mello Breyner Andresen)


Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/

sábado, 13 de maio de 2017




repara!

as flores erguem-se
como estrelas de um céu
que é o jardim cheio d’orvalho
e caem, uma após uma,
como se um génio viesse
para escutar seus segredos,
e por elas fosse lapidado.



Abûl - Fadl Ibn Al - A – Lam
Portugal - Faro
Séc. XII Reinado de Almoravida
in Adalberto Alves - O meu Coração é Árabe

Assirio & Alvim



Fonte: https://www.pinterest.pt/cinafraga/
Imagem: Google


sexta-feira, 12 de maio de 2017





Bela como a prata era a minha amada.
Por sua grande beleza,
sofro agora.
Porque terá nascido o sol
onde noutros dias morre?
E porque baixou o sol
onde noutros dias sobe?
Assim mudou teu coração
minha amada.


Chile, Araucanos
Séc. XVII-XVIII?
Trad. Herberto Helder
in Rosa do Mundo – 2001 poemas para o futuro

Editor: Assirio & Alvim


Fonte:http://cantodaalma-cantodaalma.blogspot.pt/
Painting by Serge Marshennikov.

quinta-feira, 11 de maio de 2017




Devagar te amo, e devagar assomo
os dedos à altura dos olhos, do cabelo
dos anéis de outro turno, que é só meu
por querê-lo, meu amor, como a ti mesma quero
nos tempos de passado e sem futuro.
Devagar avanço um dealbar de dias
que vida seriam, mesmo que morto, à noite,
eu voltasse amargurado mas presente,
calado e quedo, e devagar amando.



Pedro Tamen, 
Rua de Nenhures 







Foto:https://www.pinterest.pt/cinafraga/

quarta-feira, 10 de maio de 2017




Eu vi um rosa
- Uma rosa branca -
Sozinha no galho.
No galho? Sozinha
No jardim, na rua.

Sozinha no mundo.

Em torno, no entanto,
Ao sol de meio-dia,
Toda a natureza
Em formas e cores
E sons esplendia.

Tudo isso era excesso.

A graça essencial,
Mistério inefável
- Sobrenatural -
Da vida e do mundo,
Estava ali na rosa
Sozinha no galho.

Sozinha no tempo.

Tão pura e modesta,
Tão perto do chão,
Tão longe na glória,
Da mística altura,
Dir-se-ia que ouvisse
Do arcanjo invisível
As palavras santas
De outra Anunciação


Manuel Bandeira 

terça-feira, 9 de maio de 2017




Sobre a tua cabeleira hei-de pôr, para as núpcias,
uma coroa de borboletas com suas
asas pintadas

Terás de volta ao pescoço flores de abóbora,
em prata,
e a lua que para ti noites e noites forjei.

Andarás pelo povo sobre um cavalo em turquesa.
Um cavalo ardente e leve, animado
pelo meu fogo de amor.

E a teus pés eu lançarei uma pedra quente  quente:
o coração onde correm
milhões de gotas de sangue.



Povo Índio
América do Norte
Séc. XVIII-XIX
Trad.Herberto Helder
In Rosa do Mundo – 2001 poemas para o futuro

Editor: Assirio & Alvim


Fonte: http://cantodaalma-cantodaalma.blogspot.pt/

segunda-feira, 8 de maio de 2017




Sou ferida aguda em brasa, e ardo
atormenta-me a luz, e o orvalho,
é a ti que quero, por ti eu vim,
desejo mais tormentos: a ti quero.

Flameje, branqueada, a tua chama:
os beijos doem, doem os desejos,
és o meu tormento, minha geena
eu quero-te muito, quero-te muito!

Desejo rasgou-me, beijo fez sangue,
sou ferida em brasa fome de tormentos
novos, dá-mos, a este esfomeado:
sou ferida, beija-me, queima-me, queima-me.

Ady Endre

(Hungria 1877-1919)


Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/