terça-feira, 28 de agosto de 2018





Rosa


Rosa do meu Jardim, que ardes na minha Jarra,
filha do meu afã, mártir do meu amor!
Minha grande paixão egoísta te desgarra
as pétalas, te aspira o segredo interior.

Pois que estamos a sós — eu volúvel cigarra,
tu, borboleta rubra estacionada em flor —
deveras ter comigo uma folha de parra,
a fim de preservar-te a beleza e o pudor...

Pois que! tão nua assim, tão fresca e tão punícea,
rosa da Tentação, rosa da Impudicícia,
és o próprio Pecado: e há virtude em pecar...

— Pecar morrendo em ti, sangrando em teus espinhos,
remindo num Desejo os desejos mesquinhos,
gozando pelo Olfato e amando pelo Olhar...

Hermes Fontes, compositor e poeta brasileiro (1888- 1930).



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segunda-feira, 27 de agosto de 2018





O Poema de Amor à Beira Mar


Já a tarde era poema.
As nossas mãos as caricias leves.
No areal perdidos buzios,
Tantos como todos os beijos nascidos,
Na flor de sal do teu palato amor.
Enleaste-me pela cintura.
Disseste!
Sardenta, rapariga que te dás a beijar ao sol.
Ri!
Me dou a beijar a ti.
Olha bem a minha boca,
Nasce nela a sede de te beber.
Trago de água fresca,
Sabor a ostra com limão.
Rimos tanto...
E já a tarde era poema.
Ali, no areal de búzios pequeninos.
Fomos amor, mar, poesia,
Verbo amar.
O coração batia..
os lábios se davam.
Sabiam a ostras marezia.
Beija amor esta sardenta rapariga.

Augusta Maria Gonçalves
27-8-2018



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domingo, 26 de agosto de 2018




Com o frio do meu rosto.

O destino foi sábio:
Entre a dor de quem parte
E a maior - de quem fica -
Deu-me a que, por mais longa,
Eu não quisera dar-te.

Que me importa saber
Se por trás das estrelas
haverá outros mundos
Ou se cada uma delas
É uma luz ou um charco?

O universo, em arco,
Cintila, alto e complexo.
E em meio disso tudo
E de todos os sóis,
Diurnos, ou noturnos,
Só uma coisa existe.

É esta graça triste
De te haver esperado
Adormecer primeiro.

É uma lápide negra
Sobre a qual, dia e noite,
Brilha uma chama verde

Cassiano Ricardo (1895- 1974).



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sábado, 25 de agosto de 2018






Adeus!Adeus! A estrela matutina
Pelos clarões da aurora deslumbrada
Apaga-se no espaço,
A névoa desce sobre os campos úmidos,
Erguem-se as flores trêmulas de orvalho
Dos vales no regaço.

Tu não mais ouvirás os doces versos
Que nas várzeas viçosas eu compunha,
Ou junto das torrentes;
Nem teus cabelos mais verás ornados,
Como a pagã formosa, de grinaldas
De flores rescendentes.


Fagundes Varela  (1841-1875)




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quinta-feira, 26 de julho de 2018




Um dia voltarei

qual pássaro marítimo,
numa tarde bem mansa
à hora do sol posto.
Então, loura criança,
Ouvirás o meu ritmo
e me perguntarás:
quem és tu, pobre ser?
Mas, eu vim de tão longe
e tão azul de rosto
que não me podes ver.
 A graça de quem mora
no país da ausência
certo consiste nisto:
ficar azul de rosto
pra não poder ser visto.

Cassiano Ricardo (1895- 1974).




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domingo, 22 de julho de 2018




Dunas

Que vemos aqui, entre as dunas de areia batidas
de luar, sozinhos com os nossos pensamentos, Bill,
sozinhos com os nossos sonhos, Bill, tão leves como
os véus que adejam sobre a cabeça das mulheres
que dançam,
sozinhos com urna imagem, uma imagem a seguir
a outra, de todos os mortos,
os mortos mais numerosos que os grãos de areia
amontoados um a um aqui, sob o luar,
amontoados no horizonte e com a forma que as mãos
do vento lhes querem dar,
que vemos aqui, Bill, além daquilo que desespera
os sábios,
além daquilo que faz chorar os poetas, que faz com
que os soldados se lancem para a frente e percam
a vida à luz do sol: que será, Bill?


Carl Sandburg, poeta estadunidense (1878-1967).





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sexta-feira, 20 de julho de 2018




Suavidade


Poisa a tua cabeça dolorida
Tão cheia de quimeras, de ideal
Sobre o regaço brando e maternal
Da tua doce Irmã compadecida.

Hás de contar-me nessa voz tão q'rida
Tua dor infantil e irreal,
E eu, pra te consolar, direi o mal
Que à minha alma profunda fez a Vida.

E hás de adormecer nos meus joelhos...
E os meus dedos enrugados, velhos,
Hão de fazer-se leves e suaves...

Hão de poisar-se num fervor de crente,
Rosas brancas tombando docemente
Sobre o teu rosto, como penas d'aves...


Florbela Espanca, in "Livro de Sóror Saudade"




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