sexta-feira, 23 de agosto de 2019




Lavar a Desonra 

Mamãe! Um estertor, lágrimas, negrume.
O sangue flui, o corpo apunhalada treme,
O cabelo ondulado se suja de barro.
Mamãe! Só se ouve o carrasco.
Amanhã virá a aurora,
As rosas despertarão
À chamada dos vinte anos
E a esperança fascinada.
As flores dos campos respondem:
Deixou-se... lavar a desonra.
O brutal carrasco retorna e diz a todos:
A desonra? – limpa seu punhal –
Despedaçamos a desonra.
De novo temos virtude, boa fama, dignos.
Taberneiro! Onde estão o vinho e os copos?
Chama essa indolente beleza de alento perfumado
Por cujos olhos dariam o Corão e o destino.
Enche teu copo, açougueiro,
A morte levou a desonra.

Ao amanhecer, as meninas perguntarão por ela:
Onde está? A besta responderá:
matamo-la. Levava na frente
o estigma da desonra
e lavamo-la.
Os vizinhos contarão sua triste história
E até as palmeiras difundirão pelo bairro,
E as portas de madeira, que não a esquecerão.
As pedras sussurrarão:
“Lavar a desonra”
“Lavar a desonra”

Vizinhas do bairro, meninas do povoado
Amassaremos o pão com nossas lágrimas,
Cortaremos nossas tranças
Descoloriremos as mãos
Para que suas roupas permaneçam brancas e puras.
Não sorriremos nem nos alegraremos nem voltaremos
Porque o punhal, na mão de nosso pai
Ou de nosso irmão, nos vigia
E amanhã, quem sabe em qual deserto

Nos enterrará para lavar a desonra?



Nazik Al-Malaika, poetisa iraquiana (1922-2007).



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