segunda-feira, 19 de junho de 2017




O AÇUDE

Há neste açude lendas afogadas,
deuses dormindo o sono que os transcende.
Nenhuma sede irá buscá-lo incauta.
Nele, porém, dois cães vigiam sempre.

Não há peixes no açude, nem há vagas.
A seu apelo mudo na atende
O vento viajor das madrugadas.
O açude é um cemitério diferente.

Os mesmos cães na ladram. Pelo afã
Soment é que parecem-nos dois cães.
O açude é um muro longo, erguido em gelo,

Que por castigo os deuses sem destino
tornaram mausoléu, doando ao limo
o segredo final para rompê-lo.

Affonso Ávila

 (De O AÇUDE e Sonetos da Descoberta, 1953)


Foto: Jukka Vuokko