O AÇUDE
Há neste açude lendas afogadas,
deuses dormindo o sono que os transcende.
Nenhuma sede irá buscá-lo incauta.
Nele, porém, dois cães vigiam sempre.
Não há peixes no açude, nem há vagas.
A seu apelo mudo na atende
O vento viajor das madrugadas.
O açude é um cemitério diferente.
Os mesmos cães na ladram. Pelo afã
Soment é que parecem-nos dois cães.
O açude é um muro longo, erguido em gelo,
Que por castigo os deuses sem destino
tornaram mausoléu, doando ao limo
o segredo final para rompê-lo.
Affonso Ávila
(De O AÇUDE e Sonetos
da Descoberta, 1953)
Foto: Jukka Vuokko