quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

 



Te amo por ceja, por cabello, te debato en corredores

blanquísimos donde se juegan las fuentes de la luz,

te discuto a cada nombre, te arranco con delicadeza de cicatriz,

voy poniéndote en el pelo cenizas de relámpago

y cintas que dormían en la lluvia.

 

Julio Cortázar


terça-feira, 26 de janeiro de 2021

 

 
 
 
 
 

Eu vi um anjo caído,

em pensamentos perdido,

relutando para entender.

 

De longe se via as asas feridas,

de quem na angústia tentava voar

para um mundo diferente.

 

Anjo também sente...

E ele chorava

ao se ver entre correntes.

 

Mas anjo é amado,

e naquele mar de desagrado,

eu via mãos sendo a ele amparo.

 

E nesse calor tão raro,

ele se fortalecia,

e a dor assim diminuía.

 

Anjo não se vê (mas se via)

Era uma alma curando um corpo,

que embora ferido, existia.

 

 

Patty Vicensotti


 

terça-feira, 19 de janeiro de 2021

 

 


 

 

Só a rajada de vento

Dá o som lírico

Às pás do moinho.

Somente as coisas tocadas

Pelo amor das outras

Têm voz.

 

 

Fiama Hasse Pais Brandão, poetisa portuguesa 1938/2007

segunda-feira, 23 de novembro de 2020

 

 

 


Errático

 

As noites se fixam 

sob teu olho. As sílabas re- 

colhidas pelos lábios - belo, 

silencioso círculo - 

ajudam a estrela rastejante 

em seu centro. A pedra, 

um dia perto da fronte, abre-se aqui:   

ante todos os 

espalhados 

sóis, alma, 

estavas, no éter.

 

 

Paul Celan, poeta ucraniano-francês (1920-1970).

 

( tradução: Claudia Cavalcanti )      

 

Rob Hefferan Artist

 

sábado, 31 de outubro de 2020

 
 
 

Dá-me o puro cansaço após o amor

à fresca sombra da tarde.

Agora que é ido o desejo, concede-te

este breve instante de paz e repousa.

Toda a minha vida possui isto:

uma boca a brilhar sozinha em meu peito.

Mas a carne é sonho ao tocar-se nela,

ao senti-la fremente em nossos lábios indefesos;

a carne é já cinza, esquecimento,

frio desolador que se anuncia.

Porém, vê como arde a tua boca

negando o vazio que sempre perto nos aguarda;

vê como arde o meu peito

com um resplendor que por ti jamais se apaga.

“Porquê beijar teus lábios se se sabe que a morte

está próxima, se se sabe que amar é esquecer

a vida apenas, fechar os olhos ao sombrio

presente para os abrir aos radiosos limites

de um corpo?”

Porquê respirar esta luz carnal frente ao curso

de um poderoso rio que cruelmente nos ignora

mas onde de súbito uma gota de orvalho esplende

como uma lágrima nossa?

Não, também eu não quero acreditar numa verdade

que nos livros se lê como uma água,

também eu não posso aceitar essa futura agonia

que reduz a um último estertor

a cálida juventude de um amado corpo.

Quero crer, oh sim, crer que a luz que das tuas mãos

se evola subsiste à melodia triste dessa água,

passageira, quero acreditar no talismã vermelho

que pulsa feliz

em meu peito enamorado só porque o teu nome

fulgura nele como uma estrela obstinada,

nesses olhos que não são feridas mas apenas

frescas margens,

que me devolvem, cada dia, incólume,

o azul das ondas

que contra mim, mortais, embatem.

 

Gonçalo Salvado, in IRIDISCÊNCIAS (Sirgo, 2003)

 

 

Pascal Chove Painter