quinta-feira, 11 de abril de 2019





A neve cai.

Há uma mulher nua no meu quarto.
Os olhos pousados na carpete cor de vinho.
Tem dezoito anos. E os seus cabelos são lisos.
Não fala o idioma de Montreal.
Não se quer sentar.
Não parece ter a pele arrepiada.

Ficamos os dois a ouvir a tempestade.


Leonard Cohen



Serge Marshennikov Artist

quarta-feira, 10 de abril de 2019





IV

Assim cantou: e tal qual rosa e rosa
Se amparam e se põem ao léu do vento,
Quando a folha caída ganha alento
Na nódoa íntima de um céu cor rosa,
Desse modo a canção o beijo esposa;
E seu rosto afogou-se tão cinzento
Com seus cinzentos olhos, que, se atento
E os revejo, não sei se Amor os olha.

Sei apenas que aos poucos me embebedo,
Em longos goles, disto que ela bebe,
E o que chora, choro, e o que inala, inalo:
E quanto mais me inclino, o gentil dedo
Do Amor em meu pescoço se percebe
Até que os dois sumamos num só halo.



Dante Gabriel Rossetti, poeta, ilustrador e pintor britânico (1828-1882).



(Trad. Matheus "Mavericco".)


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terça-feira, 9 de abril de 2019






A morte dos amantes



Teremos leitos só rosas ligeiras
Divãs de profundeza tumular,
E estranhas flores sobre prateleiras,
Sob os céus belos a desabrochar.
A arder de suas luzes derradeiras,
Nossos dois corações vão fulgurar,
Tochas a refletir duas fogueiras
Em nossas duas almas, este par
Gêmeos espelhos. Por tarde mediúnica,
Nós trocaremos uma flama única
Um adeus que é um soluço tão cruel;
Pouco depois, um anjo abrindo as portas,
Virá vivificar, o mais fiel,
Os espelhos sem luz e as chamas mortas



Charles Baudelaire, poeta francês (1821- 1867).





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domingo, 7 de abril de 2019






Abro a janela


Abro a janela e a porta. A luz do sol faísca
Numa rubra efusão de berilos diluídos
Onde estivera, há pouco, a mais bela odalisca
Do oriente, a lavar seus cabelos brunidos.

À luz do sol a praia é uma casa mourisca
Com mirantes azuis, circulando-a, floridos.
E esse barco a correr recorda uma ave arisca,
Que se afasta da terra. E aqui, pelo comprido

Caminho que a esmeralda encantadora arrasta
Vejo um rio a tremer no verdor que se alastra,
E um perfume sutil de roseiras encerra...

E através desse rio, e através do oceano,
Contemplativamente olho o sol, todo ufano,
A fecundar, seguido, o cetim da terra.



Juvêncio de Araújo Figueiredo



Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/

sexta-feira, 29 de março de 2019





Os Seios


Como serpente arquejante
Se enrosca em férvida areia,
Meu ávido olhar se enleia
No teu colo deslumbrante.

Quando o descobres, no ar
Morno calor se dissolve
Do aroma, em que ele se envolve,
Como em neblina o luar.

Se ao corpo te enrosco os braços,
A terra e os céus estremecem,
E os mundos febris parecem
Derreter-se nos espaços!

E tu nem sequer presumes
Que então, querida, até creio,
Sorver, desfeito em perfumes,
Todo o sangue do teu seio.

Depois que aspiro, ansiado,
Do teu níveo colo o incenso,
Minh'alma semelha um lenço
De viva essência molhado.

Deixa que a louca se deite
Nesse torpor, que extasia,
E que o vinho do deleite
Me espume na fantasia;

Pois não há ópio ou haschis
Que me abrilhante as idéias
Como as fragrâncias sutis
Que fervem nas tuas veias!


Teófilo Dias, político e poeta brasileiro (1854-1889).




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segunda-feira, 25 de março de 2019





Êxtase Búdico




Abre-me os braços, Solidão profunda,
Reverência do céu, solenidade
Dos astros, tenebrosa majestade,
Ó planetária comunhão fecunda!

Óleo da noite, sacrossanto, inunda
Todo o meu ser, dá-me essa castidade,
As azuis florescências da saudade,
Graça das Graças imortais oriunda!

As estrelas cativas no teu seio
Dão-me um tocante e fugitivo enleio,
Embalam-me na luz consoladora!

Abre-me os braços, Solidão radiante,
Funda, fenomenal e soluçante,
Larga e búdica Noite redentora!



João da Cruz e Souza (1861-1898)





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