sábado, 29 de abril de 2017


Albert Lynch (Peruvian artist, 1851-1912)






Como a Noite é Longa!

Como a noite é longa!
Toda a noite é assim...
Senta-te, ama, perto
Do leito onde esperto.
Vem p’r’ao pé de mim...

Amei tanta coisa...
Hoje nada existe.
Aqui ao pé da cama
Canta-me, minha ama,
Uma canção triste.

Era uma princesa
Que amou... Já não sei...
Como estou esquecido!
Canta-me ao ouvido
E adormecerei...

Que é feito de tudo?
Que fiz eu de mim?
Deixa-me dormir,

Dormir a sorrir
E seja isto o fim.

Fernando Pessoa, 
in "Cancioneiro"


Foto: Painting by Serge Marshennikov




O TRISTE CANTO DA SOLIDÃO

Deambulando na tarde gris,
Enfrentava a minha solidão.
Era um cantar de ave tristonho.
Esse eco que entoava.
Meus olhos vidrados de lágrimas.
Seguravam-nas,
Porque caminhar na solidão faz crescer sede nos lábios.
Faz com que o vento despenteie as pétalas do sorriso triste que ostentamos.

Procuro olhares límpidos.
Olhares onde more a pureza de repartir sem nada receber.
Vejo-os sim!
Nos idosos cansados que tudo deram na vida por amor.
Hoje têm ainda um coração que ri ao acordar.
Aceitam o convite do dia claro.
Fazem-se pássaros leves, degustando alegria de poder contemplar a vida.

Cruzo meu olhar com o riscar de asas.
O cantar melodioso das aves.
Bebo a taça pura do riso das crianças.
Como quem comunga o corpo de cristo.
Tudo isto dentro do caminho da minha solidão.

Que esperar dos outros?
Palavra de alma, eco de sorriso.
Umas tantas palavras de reconhecimento
Pelo carinho que nos ofertam.
Sim é verdade.
Há quem generosamente dê de coração.
Aquilo que tem para dar.
O que colhe nas tardes gris, no roteiro da solidão.
Faz isso de coração.
O que se dá de coração.
Sempre se multiplica.


Augusta Mar.



Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/



sexta-feira, 28 de abril de 2017




O teu riso

Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.

Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.

A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.

Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.

À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e na primavera , amor,
quero teu riso como
a flor que esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.

Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.



Pablo Neruda


Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/



No dia do sorriso

O sorriso é uma constante nas pinturas de Jesus Helguera

By Jesus Helguera


quinta-feira, 27 de abril de 2017





Tão alegre este Sol! Há Deus. (Tivera-O eu negado
antes do Sol, não duvidava agora.)
Ó Tarde virgem, Senhora Aparecida! Ó Tarde igual
às manhãs do princípio!


Sebastião da Gama






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Aprendamos, amor, com estes montes
Que, tão longe do mar, sabem o jeito
De banhar no azul dos horizontes.
Façamos o que é certo e de direito:
Dos desejos ocultos outras fontes
E desçamos ao mar do nosso leito.


José Saramago
in OS POEMAS POSSÍVEIS
(Ed. Caminho, 2007); (Porto Editora, 2014)




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