quinta-feira, 6 de junho de 2019






Os Brilhantes



Não ha mulher mais pallida e mais fria,
E o seu olhar azul vago e sereno
Faz como o effeito d'um luar ameno
Na sua tez que é morbida e macia.

Como Levana ... esta mulher sombria
Traz a Morte cruel ao seu aceno,
O Suicidio e a Dôr!... Lembra do Rheno
Um conto, á luz crepuscular do dia.

Por isso eu nunca invejo os seus amantes!
- E em quanto hontem, gabavam seus brilhantes,
No theatro, com vistas fascinadas...

Tortura das visões... incomprehensiveis!
Em vez d'elles, cri ver brilhar - horriveis
E verdadeiras lagrimas geladas!



António Gomes Leal, poeta português (1848- 1921)

in 'Claridades do Sul'


Fonte do poema: http://www.citador.pt/

Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/

quarta-feira, 5 de junho de 2019





Hoje sinto no coração
Um vago tremor de estrelas,
Mas minha senda se perde
Na alma de névoa.


A luz me quebra as asas
E a dor de minha tristeza
Vai molhando as recordações
Na fonte da ideia.


Todas as rosas são brancas,
Tão brancas como minha pena,
E não são as rosas brancas
Porque nevou sobre elas.


Antes tiveram o íris.
Também sobre a alma neva.


A neve da alma tem
Copos de beijos e cenas
Que se fundiram na sombra
Ou na luz de quem as pensa.


A neve cai das rosas,
Mas a da alma fica,
E a garra dos anos
Faz um sudário com elas.


Desfazer-se-á a neve
Quando a morte nos levar?
Ou depois haverá outra neve
E outras rosas mais perfeitas?


Haverá paz entre nós


Como Cristo nos ensina?
Ou nunca será possível
A solução do problema?
E se o amor nos engana?
Quem a vida nos alenta
Se o crepúsculo nos funde
Na verdadeira ciência
Do Bem que quiçá não exista,
E do mal que palpita perto?


Se a esperança se apaga
E a Babel começa,
Que tocha iluminará
Os caminhos da Terra?


Se o azul é um sonho,
Que será da inocência?
Que será do coração
Se o Amor não tem flechas ?


Se a morte é a morte,
Que será dos poetas
E das coisas adormecidas
Que já ninguém delas se recorda?


Oh! sol das esperanças!
Água clara! Lua nova!
Coração dos meninos!
Almas rudes das pedras!


Hoje sinto no coração
Um vago tremor de estrelas
E todas as coisas são
Tão brancas como minha pena.


Federico García Lorca, poeta e dramaturgo espanhol (1898-1936).




Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/

segunda-feira, 3 de junho de 2019







Canção


O peso do mundo
é o amor.
Sob o fardo
da solidão,
sob o fardo
da insatisfação

o peso
o peso que carregamos
é o amor.

Quem poderia negá-lo?
Em sonhos
nos toca
o corpo,
em pensamentos
constrói
um milagre,
na imaginação
aflige-se
até tornar-se
humano -
sai para fora do coração
ardendo de pureza -

pois o fardo da vida
é o amor,

mas nós carregamos o peso
cansados
e assim temos que descansar
nos braços do amor
finalmente
temos que descansar nos braços
do amor.

Nenhum descanso
sem amor,
nenhum sono
sem sonhos
de amor -
quer esteja eu louco ou frio,
obcecado por anjos
ou por máquinas,
o último desejo
é o amor
- não pode ser amargo
não pode ser negado
não pode ser contigo
quando negado:

o peso é demasiado
- deve dar-se
sem nada de volta
assim como o pensamento
é dado
na solidão
em toda a excelência
do seu excesso.

Os corpos quentes
brilham juntos
na escuridão,
a mão se move
para o centro
da carne,
a pele treme
na felicidade
e a alma sobe
feliz até o olho -

sim, sim,
é isso que
eu queria,
eu sempre quis,
eu sempre quis
voltar
ao corpo
em que nasci.


Allen Ginsberg, poeta americano (1926-1997).




Foto: Julia Borodina

terça-feira, 21 de maio de 2019




Mais esperança nos meus passos do que tristeza nos meus ombros.



Cora Coralina



quinta-feira, 9 de maio de 2019





Porque a noite



Porque a noite se estende na solidão das coisas
murmúrios de palavras vãs batem as palmas à lua
às vezes o céu está estrelado e tudo se perpetua
é quando o amor é mais forte e os corpos mais ardentes
quando as bocas mais perto do peito navegam em leitos de paixão
como se a doçura do tempo apagasse de nós a razão
como se corpos colados imunizassem cânticos ali inventados
em cenários invisuais de peitos apaixonados
porque a noite
luzes gémeas de prazer no oásis do pulsar das nossas veias
martelando  a nossa alma apaixonante e desprotegida
com horas batendo nos casacos dependurados da vida



António José da Silva, escritor e teatrólogo português 1705-1739




Foto:  https://www.pinterest.pt/cinafraga/

sábado, 4 de maio de 2019







Fruto Proibido 


Escravo dessa angélica meiguice
por uma lei fatal, como um castigo,
não abrigara tanta dor comigo,
se este afeto que sinto não sentisse.

Que te não doa, entanto, isto que digo
nem as magoadas falas que te disse.
Não tas dissera nunca, se não visse
que por dizê-las minha dor mitigo.

Longe de ti, sereno e resoluto,
irei morrer, misérrimo, esquecido,
mas hei de amar-te sempre, anjo impoluto.

És para mim o fruto proibido:
não pousarei meus lábios nesse fruto,
mas morrerei sem nunca ter vivido.



Adelino Fontoura, poeta, jornalista e ator brasileiro (1859-1844).



Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/