terça-feira, 23 de maio de 2023
Semelhanças
És assim como um galho sussurrante
quando te debruças sobre mim,
e és sabor misterioso
como papoula semente,
e como o tempo que encrespa o rio
és assim instigante,
e tão tranqüilizante
como a lápide num túmulo,
és como uma amiga que cresceu comigo
e que fosse ainda hoje
difícil reconhecer
o cheio do teu cabelo,
e então ficas azul e temo, não me deixes,
vadia fumaça esgrouviada -
e às vezes temo mesmo a ti,
quando és cor de relâmpago,
e como tormenta no céu que o sol varou:
douradoescuro -
se te irritas, inteira
ficas como um úú,
profundo som, ressoante e escuro,
e nessas horas eu
faço com sorrisos laços luminosos
em redor de ti.
Miklós Radnóti (1909 - 1944)
Miklós Radnóti foi um poeta húngaro de família judia, de língua magiar assassinado durante a II Guerra Mundial e considerado por Thomas Ország-Land, poeta judeu sobrevivente do chamado Holocausto como “provavelmente o maior entre os escritores maduros do período a testemunhar e registrar o Holocausto” teoria reforçada por apontamentos do professor da USP Aleksandar Jovanovic.
Nasceu a 05 Maio 1909 (Budapeste)
Morreu em 09 Novembro 1944 (Abda (Hungría)
terça-feira, 2 de maio de 2023
quinta-feira, 20 de abril de 2023
Eu te prometo
Eu te prometo meu corpo vivo
Eu te prometo minha centelha
Minha candura meu paraíso
Minha loucura meu mel de abelha
Eu te prometo meu corpo vivo
Eu te prometo meu corpo branco
Meu corpo brando meu corpo louco
Minha inventiva meu grito rouco
Tudo o que é muito tudo o que é pouco
Meu corpo casto meu corpo santo
Eu te prometo meu corpo lasso
Mar de aventura mar de sargaço
Vaga de náufrago onda de espanto
Orla de espuma do meu cansaço
Eu te prometo meu doce pranto
Eu te prometo todo o meu corpo
Ardendo eterno na nossa cama
Como um abraço como um conforto
P´ra que me lembres além da chama
Eu te prometo meu corpo morto
Rosa Lobato de Faria,
In´ A Noite Inteira Já Não Chega (Poesia 1983-2010)
Rosa Maria de Bettencourt Rodrigues Lobato de Faria foi uma actriz, escritora, romancista, poetisa, contista, dramaturga e guionista de novelas e séries portuguesa.
20 de abril de 1932 - 2 de fevereiro de 2010
Pascal Chove painter
quarta-feira, 19 de abril de 2023
Desencanto
Eu faço versos como quem chora
De desalento. . . de desencanto. . .
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
Meu verso é sangue. Volúpia ardente. . .
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.
E nestes versos de angústia rouca,
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.
Eu faço versos como quem morre.
Manuel Bandeira, poeta brasileiro 1886/1968