Slava Ukraini 🇺🇦
Um novo milagre é preciso
A sua cidade já não existe.
Sem rosas
Nem quimeras de marear
As rotas, escuta-se serodiamente
Apenas o intrínseco alvoroço de vozes ausentes
De sílabas híbridas,
Um hálito dos corpos ébrios de sede
E do olhar enigmático de alguns ciganos
Com a alma suja de desperdícios
Onde só as altivas sobras de solidão mancham
A visão retemperadora do astro-rei
Queimando o mondego
Quando os peixes se mutilam
Desassossegando as águas de guelras vermelhas
No regaço alquímico de Isabel,
Hoje o rio secou o assombro
E a infinda maresia da embarcação
Dos náufragos primordiais
Desapareceu. Foi abandonada por toda a gente,
Mas no centro da cidade
Está oculto um inexplicável oceano
Para aqueles que nunca o ousarem sulcar,
O sustento da pedra onde se alimentam os corpos
Dilacerou a sua unidade de utopia
Obstruindo o percurso da boca às raízes
E depois veio a areia
e engoliu-a.
Um novo milagre é preciso
E embeber a inutilidade de um poema é preciso,
Deveremos ser bilíngues de rotas e casas
Em uma única cidade
Pois é nela que a nudez de quem fere e sangra
Não questiona o heróico murmúrio do estorvo do verbo.
João Rasteiro
João Rasteiro é um poeta e ensaísta português. É Licenciado
em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Universidade de Coimbra.