Fala-me com a doçura dos beijos
(...)
Edgardo Xavier
À musa
Quanto, à noite, espero a tua chegada,
a vida parece-me suspensa por um fio.
Que importam juventude, glória, liberdade,
quando enfim aparece a hóspede querida
trazendo nas mãos a sua rústica flauta?
Ei-la que vem. Soergue o seu véu,
olha para mim atentamente.
E pergunto:
“Foste tu quem a Dante
ditou as páginas do Inferno?”.
E ela: “Sim, fui eu”.
Anna Akhmátova
Nocturno
Eram, na rua, passos de mulher.
Era o meu coração que os soletrava.
Era, na jarra, além do malmequer,
espectral o espinho de uma rosa brava...
Era, no copo, além do gim, o gelo;
além do gelo, a roda de limão...
Era a mão de ninguém no meu cabelo.
Era a noite mais quente deste verão.
Era no gira-discos, o Martirio
de São Sebastião, de Debussy....
Era, na jarra, de repente, um lirio!
Era a certeza de ficar sem ti.
Era o ladrar dos cães na vizinhança.
Era, na sombra, um choro de criança...
David Mourão-Ferreira, escritor e poeta português (1927- 1996).
23 de Fevereiro - Dia da Sedução
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Abre os olhos com os primeiros raios de luz.
A cadeia de montanhas
Parece uma mulher serena e vigorosa,
Deitada de lado depois de uma noite de amor.
Um vento suave, saciado, agita a aba da tenda.
Que incha e estremece, como um ventre quente. Subindo e Descendo.
Com a ponta da língua aflora o côncavo da mão esquerda,
O ponto mais fundo da palma. é como
O toque de um mamilo, suave e duro.
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Amos Oz - Israel 1939
Daniel Murtagh Photography
Eu vi um anjo caído,
em pensamentos perdido,
relutando para entender.
De longe se via as asas feridas,
de quem na angústia tentava voar
para um mundo diferente.
Anjo também sente...
E ele chorava
ao se ver entre correntes.
Mas anjo é amado,
e naquele mar de desagrado,
eu via mãos sendo a ele amparo.
E nesse calor tão raro,
ele se fortalecia,
e a dor assim diminuía.
Anjo não se vê (mas se via)
Era uma alma curando um corpo,
que embora ferido, existia.
Patty Vicensotti