quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

 

 

 


Nocturno

 

 

Eram, na rua, passos de mulher.

Era o meu coração que os soletrava.

Era, na jarra, além do malmequer,

espectral o espinho de uma rosa brava...

 

Era, no copo, além do gim, o gelo;

além do gelo, a roda de limão...

Era a mão de ninguém no meu cabelo.

Era a noite mais quente deste verão.

 

Era no gira-discos, o Martirio

de São Sebastião, de Debussy....

Era, na jarra, de repente, um lirio!

Era a certeza de ficar sem ti.

 

Era o ladrar dos cães na vizinhança.

Era, na sombra, um choro de criança...

 

 

David Mourão-Ferreira, escritor e poeta português (1927- 1996).