quarta-feira, 10 de abril de 2019
IV
Assim cantou: e tal qual rosa e rosa
Se amparam e se põem ao léu do vento,
Quando a folha caída ganha alento
Na nódoa íntima de um céu cor rosa,
Desse modo a canção o beijo esposa;
E seu rosto afogou-se tão cinzento
Com seus cinzentos olhos, que, se atento
E os revejo, não sei se Amor os olha.
Sei apenas que aos poucos me embebedo,
Em longos goles, disto que ela bebe,
E o que chora, choro, e o que inala, inalo:
E quanto mais me inclino, o gentil dedo
Do Amor em meu pescoço se percebe
Até que os dois sumamos num só halo.
Dante Gabriel Rossetti, poeta, ilustrador e pintor britânico
(1828-1882).
(Trad. Matheus "Mavericco".)
Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/
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terça-feira, 9 de abril de 2019
A morte dos amantes
Teremos leitos só rosas ligeiras
Divãs de profundeza tumular,
E estranhas flores sobre prateleiras,
Sob os céus belos a desabrochar.
A arder de suas luzes derradeiras,
Nossos dois corações vão fulgurar,
Tochas a refletir duas fogueiras
Em nossas duas almas, este par
Gêmeos espelhos. Por tarde mediúnica,
Nós trocaremos uma flama única
Um adeus que é um soluço tão cruel;
Pouco depois, um anjo abrindo as portas,
Virá vivificar, o mais fiel,
Os espelhos sem luz e as chamas mortas
Charles Baudelaire, poeta francês (1821- 1867).
Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/
domingo, 7 de abril de 2019
Abro a janela
Abro a janela e a porta. A luz do sol faísca
Numa rubra efusão de berilos diluídos
Onde estivera, há pouco, a mais bela odalisca
Do oriente, a lavar seus cabelos brunidos.
À luz do sol a praia é uma casa mourisca
Com mirantes azuis, circulando-a, floridos.
E esse barco a correr recorda uma ave arisca,
Que se afasta da terra. E aqui, pelo comprido
Caminho que a esmeralda encantadora arrasta
Vejo um rio a tremer no verdor que se alastra,
E um perfume sutil de roseiras encerra...
E através desse rio, e através do oceano,
Contemplativamente olho o sol, todo ufano,
A fecundar, seguido, o cetim da terra.
Juvêncio de Araújo Figueiredo
Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/
sexta-feira, 29 de março de 2019
Os Seios
Como serpente arquejante
Se enrosca em férvida areia,
Meu ávido olhar se enleia
No teu colo deslumbrante.
Quando o descobres, no ar
Morno calor se dissolve
Do aroma, em que ele se envolve,
Como em neblina o luar.
Se ao corpo te enrosco os braços,
A terra e os céus estremecem,
E os mundos febris parecem
Derreter-se nos espaços!
E tu nem sequer presumes
Que então, querida, até creio,
Sorver, desfeito em perfumes,
Todo o sangue do teu seio.
Depois que aspiro, ansiado,
Do teu níveo colo o incenso,
Minh'alma semelha um lenço
De viva essência molhado.
Deixa que a louca se deite
Nesse torpor, que extasia,
E que o vinho do deleite
Me espume na fantasia;
Pois não há ópio ou haschis
Que me abrilhante as idéias
Como as fragrâncias sutis
Que fervem nas tuas veias!
Teófilo Dias, político e poeta brasileiro (1854-1889).
Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/
segunda-feira, 25 de março de 2019
Êxtase Búdico
Abre-me os braços, Solidão profunda,
Reverência do céu, solenidade
Dos astros, tenebrosa majestade,
Ó planetária comunhão fecunda!
Óleo da noite, sacrossanto, inunda
Todo o meu ser, dá-me essa castidade,
As azuis florescências da saudade,
Graça das Graças imortais oriunda!
As estrelas cativas no teu seio
Dão-me um tocante e fugitivo enleio,
Embalam-me na luz consoladora!
Abre-me os braços, Solidão radiante,
Funda, fenomenal e soluçante,
Larga e búdica Noite redentora!
João da Cruz e Souza (1861-1898)
Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/
sábado, 23 de março de 2019
Tempo de azul e não. Desencantado
reino do que não foi, mundo postiço,
ontem feito de agora, hoje passado:
na essência do não-ser o instante omisso.
(Margaridas da tarde, onde o seu viço?
Choro de água nos ares, lento e alado
caminho cor de sonhos? Insubmisso
mar sem datas, desfeito e recriado?)
Suaves rechãs por onde a mão do vento
esculpia no verde a sombra exata
e as imagens que o olhar já não alcança.
Aventuras tão só do pensamento:
arco de azul, a tarde era a fragata
supérflua, para o exílio da esperança.)
Waldemar Lopes, poeta brasileiro (1911-2006).
Imagem: https://www.pinterest.pt/cinafraga/
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