segunda-feira, 3 de setembro de 2018





Liberta em Pedra
Livre, liberta em pedra.
Até onde couber
tudo o que é dor maior,
por dentro da harmonia jacente,
aguda, fria, atroz,
de cada dia.

Não importam feições,
curvas de seios e ancas,
pés erectos à luz
e brancas, brancas, brancas,
as mãos.

Importa a liberdade
de não ceder à vida,
um segundo sequer.

Ser de pedra por fora
e só por dentro ser.
- Falavas? Não ouvi.
- Beijavas? Não senti.
Morreram? Ah! Morri, morri, morri!

Livre, liberta em pedra,
voltada para a luz
e para o mar azul
e para o mar revolto...
E fugir pela noite,
sem corpo, nem dinheiro,
para ler os meus santos
e os meus aventureiros,
(para ser dos meus santos,
dos meus aventureiros),
filósofos e nautas,
de tantos nevoeiros.

Entre o peso das salas,
da música concreta,
de espantalhos de deuses,
que fará o Poeta?

Natércia Freire, in 'Liberta em Pedra'




Foto: David Hamilton

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domingo, 2 de setembro de 2018





Frémito do meu corpo a procurar-te,
Febre das minhas mãos na tua pele
Que cheira a âmbar, a baunilha e a mel,
Doído anseio dos meus braços a abraçar-te,
Olhos buscando os teus por toda a parte,
Sede de beijos, amargor de fel,
Estonteante fome, áspera e cruel,
Que nada existe que a mitigue e a farte!
E vejo-te tão longe! Sinto tua alma
Junto da minha, uma lagoa calma,
A dizer-me, a cantar que não me amas...
E o meu coração que tu não sentes,
Vai boiando ao acaso das correntes,
Esquife negro sobre um mar de chamas...


Florbela Espanca





Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/

quinta-feira, 30 de agosto de 2018




Se te pareço ausente, não creias:
hora a hora minha dor agarra-se aos teus braços,
hora a hora meu desejo revolve teus escombros,
e escorrem dos meus olhos mais promessas.
Não acredites nesse breve sono;
não dês valor maior ao meu silêncio;
e se leres recados numa folha branca,
Não creias também: é preciso encostar
teus lábios nos meus lábios para ouvir.

Nem acredites se pensas que te falo:
palavras
são meu jeito mais secreto de calar.


Lya Luft



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terça-feira, 28 de agosto de 2018





Rosa


Rosa do meu Jardim, que ardes na minha Jarra,
filha do meu afã, mártir do meu amor!
Minha grande paixão egoísta te desgarra
as pétalas, te aspira o segredo interior.

Pois que estamos a sós — eu volúvel cigarra,
tu, borboleta rubra estacionada em flor —
deveras ter comigo uma folha de parra,
a fim de preservar-te a beleza e o pudor...

Pois que! tão nua assim, tão fresca e tão punícea,
rosa da Tentação, rosa da Impudicícia,
és o próprio Pecado: e há virtude em pecar...

— Pecar morrendo em ti, sangrando em teus espinhos,
remindo num Desejo os desejos mesquinhos,
gozando pelo Olfato e amando pelo Olhar...

Hermes Fontes, compositor e poeta brasileiro (1888- 1930).



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segunda-feira, 27 de agosto de 2018





O Poema de Amor à Beira Mar


Já a tarde era poema.
As nossas mãos as caricias leves.
No areal perdidos buzios,
Tantos como todos os beijos nascidos,
Na flor de sal do teu palato amor.
Enleaste-me pela cintura.
Disseste!
Sardenta, rapariga que te dás a beijar ao sol.
Ri!
Me dou a beijar a ti.
Olha bem a minha boca,
Nasce nela a sede de te beber.
Trago de água fresca,
Sabor a ostra com limão.
Rimos tanto...
E já a tarde era poema.
Ali, no areal de búzios pequeninos.
Fomos amor, mar, poesia,
Verbo amar.
O coração batia..
os lábios se davam.
Sabiam a ostras marezia.
Beija amor esta sardenta rapariga.

Augusta Maria Gonçalves
27-8-2018



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domingo, 26 de agosto de 2018




Com o frio do meu rosto.

O destino foi sábio:
Entre a dor de quem parte
E a maior - de quem fica -
Deu-me a que, por mais longa,
Eu não quisera dar-te.

Que me importa saber
Se por trás das estrelas
haverá outros mundos
Ou se cada uma delas
É uma luz ou um charco?

O universo, em arco,
Cintila, alto e complexo.
E em meio disso tudo
E de todos os sóis,
Diurnos, ou noturnos,
Só uma coisa existe.

É esta graça triste
De te haver esperado
Adormecer primeiro.

É uma lápide negra
Sobre a qual, dia e noite,
Brilha uma chama verde

Cassiano Ricardo (1895- 1974).



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sábado, 25 de agosto de 2018






Adeus!Adeus! A estrela matutina
Pelos clarões da aurora deslumbrada
Apaga-se no espaço,
A névoa desce sobre os campos úmidos,
Erguem-se as flores trêmulas de orvalho
Dos vales no regaço.

Tu não mais ouvirás os doces versos
Que nas várzeas viçosas eu compunha,
Ou junto das torrentes;
Nem teus cabelos mais verás ornados,
Como a pagã formosa, de grinaldas
De flores rescendentes.


Fagundes Varela  (1841-1875)




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