segunda-feira, 17 de julho de 2017





Já se afastou de nós o Inverno agreste
Envolto nos seus húmidos vapores,
A fértil Primavera, a mãe das flores
O prado ameno de boninas veste.

Varrendo os ares o subtil Nordeste,
Os torna azuis: as aves de mil cores
Adejam entre Zéfiros e Amores,
E toma o fresco Tejo a cor celeste.

Vem, ó Marília, vem lograr comigo
Destes alegres campos a beleza,
Destas copadas árvores o abrigo.

Deixa louvar da corte a vã grandeza:
Quando me agrada mais estar contigo
Notando as perfeições da Natureza!

     Poema "Convite a Marília" 
de Manuel Maria Barbosa du Bocage, in Sonetos



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domingo, 16 de julho de 2017




GRAZIELA

Onda azul a correr tão vagarosa
Porque choras assim beijando as praias?
Não são virgens de amor as de Sorrento?
Onda azul, onda azul, porque desmaias?
        A lua pelos céus corria bela
        E a onda murmurava: Graziela!

Brisa macia, que brincais nas folhas
Da verde ramagem tão florida,
Porque não correis por esses campos
Espalhando perfumes, amor, vida?
        A lua pelos céus corria bela
        E a brisa murmurava: Graziela!

Virgem morena - desse céu d'Itália
Porque choras assim? Tanta amargura!
O canto da guitarra é mais suave
Do que um gemido sobre a sepultura:
        A lua pelos céus corria bela
        E a brisa murmurava: Graziela!...

Pedro Luís Pereira de Sousa



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sábado, 15 de julho de 2017



Ária dos olhos

Mágoas de além
De olhos de quem
Pede esmolas:
Gemidos e ais
Das autunais
Barcarolas:

Cisnes em bando
Sonambulando
Sobre o mar:
Nuvens de incenso
No céu imenso,
Todo luar:

Olhos sutis,
Ah! que me diz
O olhar santo,
Que sobre mim
Volveis assim
Tanto e tanto?

E que esperança
Nessa romança
Cheia de ais,
Olhos nevoentos,
Noites e ventos
Autunais!


– Alphonsus de Guimaraens, (Dona Mística ‘1899’), 
em “Obra completa”. [organização Alphonsus de Guimaraens Filho]. 
Biblioteca luso-brasileira – Série brasileira, 20. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1960.


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Tristêza

O sol do outono, as folhas a cair,
A minha voz baixinho soluçando,
Os meus olhos, em lagrimas, beijando
A terra, e o meu espirito a sorrir...

Eis como a minha vida vae passando
Em frente ao seu Phantasma... E fico a ouvir
Silencios da minh'alma e o resurgir
De mortos que me fôram sepultando...

E fico mudo, extatico, parado
E quasi sem sentidos, mergulhando
Na minha viva e funda intimidade...

Só a longinqua estrela em mim actua...
Sou rocha harmoniosa á luz da lua,
Petreficada esphinge de saudade...


Teixeira de Pascoaes, in 'Elegias'





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sexta-feira, 14 de julho de 2017




POÉTICA CONTRADITÓRIA

Não digas o que sabes nos teus versos,
Deixa para trás a ciência e a consciência;
Tudo aquilo que em ti não for ausência
São ideais perdidos, ou submersos.

Abandona-te às vozes que não ouves,
E liberta os teus deuses nos teus dedos;
Não busques os sorrisos, mas os medos,
E o que não for ignoto e só, não louves.

Ser misterioso e triste, é ser poeta:
Mesmo a luz que palpita nos teus cantos.
É uma imagem heroica dos teus prantos.

Percorre o teu caminho até ao fundo,
E com os versos que achaste, aumenta o mundo.

Não sejas um escritor, mas um profeta.

António Quadros



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quinta-feira, 13 de julho de 2017




Ama-me por amor do amor somente.
Não digas: “Amo-a pelo seu olhar,
O seu sorriso, o modo de falar
Honesto e brando. Amo-a porque se sente

Minh’alma em comunhão constantemente
Com a sua”. Porque pode mudar
Isso tudo, em si mesmo, ao perpassar
Do tempo, ou para ti unicamente.

Nem me ames pelo pranto que a bondade
De tuas mãos enxuga, pois se em mim
Secar, por teu conforto, esta vontade

De chorar, teu amor pode ter fim!
Ama-me por amor do amor, e assim
Me hás de querer por toda a eternidade.


Elizabeth Barrett Browning



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quarta-feira, 12 de julho de 2017




Plena mulher, maçã carnal, lua quente,
espesso aroma de algas, lodo e luz pisados,
que obscura claridade se abre entre tuas colunas?
que antiga noite o homem toca com seus sentidos?

Ai, amar é uma viagem com água e com estrelas,
com ar opresso e bruscas tempestades de farinha:
amar é um combate de relâmpagos e dois corpos
por um só mel derrotados.

Beijo a beijo percorro teu pequeno infinito,
tuas margens, teus rios, teus povoados pequenos,
e o fogo genital transformado em delícia

corre pelos tênues caminhos do sangue
até precipitar-se como um cravo noturno,
até ser e não ser senão na sombra de um raio.

Pablo Neruda



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