Murmúrios do mar
"Paga-me um café e
conto-te a minha vida" o inverno avançava
nessa tarde em que te ouvi assaltado por dores
o céu quebrava-se aos disparos de uma criança
muito assustada que corria o vento batia-lhe no
rosto com violência a infância inteira disso me
lembro outra noite cortaste o sono da casa
com frio e medo apagavas cigarros nas palmas das
mãos e os que te viam choravam mas tu
não, nunca choraste por amores que se perdem os
naufrágios são belos sentimo-nos tão vivos entre as
ilhas, acreditas? E temos saudades desse mar
que derruba primeiro no nosso corpo tudo o que
seremos depois "pago-te um café se me contares
o teu amor"
.
José Tolentino Mendonça
Presbítero, poeta e teólogo português. É professor e vice-reitor na Universidade Católica Portuguesa.