segunda-feira, 16 de dezembro de 2019




Por que me vens, com o mesmo riso,
Por que me vens, com a mesma voz,
Lembrar aquele Paraíso,
Extinto para nós?

Por que levantas esta lousa?
Por que, entre as sombras funerais,
Vens acordar o que repousa,
O que não vive mais?

Ah! esqueçamos, esqueçamos
Que foste minha e que fui teu:
Não lembres mais que nos amamos,
Que o nosso amor morreu!

O amor é uma árvore ampla, e rica
De frutos de ouro, e de embriaguez:
Infelizmente, frutifica
Apenas uma vez...

Sob essas ramas perfumadas,
Teus beijos todos eram meus:
E as nossas almas abraçadas
Fugiam para Deus.

Mas os teus beijos esfriaram.
Lembra-te bem! lembra-te bem!
E as folhas pálidas murcharam,
E o nosso amor também.

Ah! frutos de ouro, que colhemos,
Frutos da cálida estação,
Com que delícia vos mordemos,
Com que sofreguidão!

Lembras-te? os frutos eram doces...
Se ainda os pudéssemos provar!
Se eu fosse teu... se minha fosses,
E eu te pudesse amar...

Em vão, porém, beijas-me, louca!
Teu beijo, a palpitar e a arder,
Não achará, na minha boca,
Outro para o acolher.

Não há mais beijos, nem mais pranto!
Lembras-te? quando te perdi
Beijei-te tanto, chorei tanto,
Com tanto amor por ti,

Que os olhos, vês? já tenho enxutos,
E a minha boca se cansou:
A árvore já não tem mais frutos!
Adeus! tudo acabou!

Outras paixões, outras idades!
Sejam os nossos corações
Dois relicários de saudades
E de recordações.

Ah! esqueçamos, esqueçamos!
Durma tranqüilo o nosso amor
Na cova rasa onde o enterramos
Entre os rosais em flor...



Olavo Bilac, poeta brasileiro (1865- 1918).


Foto: https://www.pinterest.pt