sexta-feira, 4 de maio de 2018




Árvores

Eu, nestes campos, longe do tumulto,
Amo essas tristes árvores que crescem
Por sobre as margens dum arroio oculto,
Ouvindo as águas que cantando descem...

Gosto de vê-las à tardinha, envoltas
Numa suave e mística tristeza,
Olhando os rolos das espumas soltas
Que encrespam o lençol da correnteza.

Tristonhas plantas! Árvores sombrias!
Como se as torturasse estranha mágoa,
E as compungissem fundas nostalgias,
- Procuram consolar-se à beira d'água.

Oh! vós que amais os campos, nunca as vistes?
- Desconsoladas, trêmulas, chorosas,
Pelas barrancas dos arroios tristes
Debruçam as ramagens silenciosas...

Que importa o sol, que importa a chuva e o vento,
Se sempre as mesmas ânsias as consomem?
Talvez - quem sabe? - nesse desalento,
Palpite e sofra o coração dum homem!

Talvez nessas folhagens, nesses ramos,
Torturados de angústia e desconforto,
Sem que a vejamos, sem que a compreendamos,
Soluce a alma de algum poeta morto.

Ai, não turbeis a misteriosa mágoa,
A imensa nostalgia em que se abismam;
Deixai-as em silêncio, à beira dágua,
Essas tristonhas árvores que cismam...


Paulo Setubal


Publicado no livro Alma Cabocla (1920). Poema integrante da série Sertanejas.



Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/