quarta-feira, 7 de junho de 2017




A última consoante
a Jacques Thiers

Como se tivesse voltado à infância onde tudo coincide
para escapar à verdade. Mais estreita a verdade
do que a estrada de ravina. A tua voz acaricia-me
as vogais no cimo, sobre Bastia, a montanha e o mar
são a mesma coisa, as casas salgadas, algas à porta
e um cão rebolando-se na areia. O perfume da erva,
dos aromas que abres com a tua chave. Talvez usasses
calções
e tivesses os bolsos cheios de nada quando a tua voz
só sabia dizer sim. Como nesse dia, acreditas que
“Pacà, pacarà ella!”
e tiras do bolso o gesto majestático de uma miúda
de dez anos. Foi aqui que o meu corpo se desembaraçou
da última consoante. Mais tarde, quando entrei no
oratório
de Santa Croce, um cristo olhou-me sereno e sem
sofrimento
e compreendi que não precisou de morrer para nos

salvar.

Rosa Alice Branco 




Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/