quinta-feira, 23 de janeiro de 2020






No Mar


Ele sustém eternos murmúrios
Nas praias desoladas, e com soberbas cristas
Inunda vinte mil cavernas, até que o sortilégio
De Hécate as deixe com seu velho e assombroso som.
Muitas vezes se encontra tão tranquilo,
Que até a menor das conchas permanece dias imóvel
Desde o desenlace dos ventos celestiais.
Vós, cujos olhos se enchem de tormento e tédio,
Regozijai-os com a imensidão do mar;
Vós, cujos ouvidos estão atordoados pelo rude ruído,
Ou enfastiados pela música melosa -
Sentai-vos na boca de uma velha caverna, e meditai
Até que escuteis, como se cantassem, as ninfas do mar!



John Keats, poeta britânico (1795-1821).



By Roy Gonzalez Tabora


quarta-feira, 22 de janeiro de 2020






Estão calmos o céu e a terra - mas não adormecidos;
sem ânimo, como nós sob o efeito das grandes paixões,
e tão silenciosos como se despertássemos de profundos
                                       pensamentos.
Estão calmos o céu e a terra; desde as altas hostes
das estrelas ao lago tranquilo e às margens montanhosas,
Tudo se concentra numa vida intensa
onde nem uma folha, uma brisa, um reflexo se perdem,
pois  todos são uma parte do ser, do sentimento
daquele que de tudo é Criador e defensor.

Agita-se assim a emoção do infinito, sentida
neste abandono em que o homem está menos sozinho;
a verdade que em todo o nosso ser se funde
e nos purifica de nós mesmos é um acorde,
alma e fonte da música que nos ensina
a eterna harmonia, derramando um encantamento
lendário, como a cintura de Vénus,
que  reúne tudo pela beleza, e desafiaria
a Morte, se tivesse o verdadeiro poder de destruir.

Não foi sem razão que os antigos Persas edificaram
as aras nos mais elevados lugares, no cume
das montanhas que contemplar a terra, e assim
                                      escolhem
um templo verdadeiro e sem muralhas, onde encontram
o Espírito – e nunca em santuários que as nossas mãos
constroem em seu louvor. Vinde então comparar
colunas e altares de ídolos, góticos ou gregos,
com os lugares sagrados da Natureza, a terra e o ar,
e não vos confineis a templos que limitam as vossas
                                     preces.

O céu mudou-se - e que transformação! Oh noite,
tempestade, trevas, sois surpreendentemente fortes,
embora sedutoras no vosso poderio, como o brilho
dos olhos sombrios duma mulher! Ao longe,
de monte em monte, entre os ecos dos rochedos
o trovão vibra. Não é duma única nuvem que vem,
mas cada montanha encontrou agora a sua linguagem,
e o Jura responde, com o seu manto de neblina,
aos jubilosos Alpes, cujo apelo ressoa vivamente.

Tudo chegou contigo - noite tão gloriosa,
a que não se destinam os nossos sonhos; deixa-me
                                     partilhar
do teu violento, longínquo encantamento
uma parte da tempestade e de ti mesma, noite!
Ah, como resplandece o lago, um fosfórico mar,
e a chuva é impelida e abate-se sobre a terra!
Mais uma vez tudo é escuridão – e, agora, a alegria
das colinas sonoras freme com todo o excesso
que delas nasce como se fosse um novo cataclismo.

…………………………………………………………………………

Se pudesse encarnar e tirar agora do meu seio
aquilo que nele é mais profundo, se pudesse cingir
com palavras estes meus pensamentos, e assim exprimir
alma, coração, e espírito, paixões e todos os
                                     sentimentos,
ah, tudo o que poderia desejar, e desejo,
sofro, conheço e sinto, sem que morra, numa só palavra
- e que essa palavra fosse “Relâmpago!” – eu a diria;
mas não, vivo e morro voltando para o silêncio apenas,
com sufocadas vozes que guardo como uma espada…


Lord Byron
Reino Unido (Londres) 1788- Grécia1824
in “ Poesia Romântica Inglesa




Fonte do poema: cantodaalma.blogspot.com

domingo, 12 de janeiro de 2020







Coração de Pedra



Não tem olhos de ver para a eterna beleza,
o sorriso de Deus que ilumina a existência;
não lhe fala à alma rude a suave pureza
que reponta e sorri nos lábios da inocência;

a flor não o interessa, ou surja na devesa,
onde acaso a plantou a mão da Providência,
ou soberba pompeie, onde o Belo se preza,
requinte de arte pura ou prodígio da ciência.

É que o vêzo do lucro, o seu deus verdadeiro,
lhe deu ao coração consistência de pedra
e aos olhos lhe roubou o poder da visão.

Só lhe sobe à alma torpe o ouro, a moeda, o dinheiro...
Templo erguido a Mamona, a piedade não medra
na profunda aridez do seu vil coração.




Bento Prado Júnior,

filósofo, escritor e poeta brasileiro (1937-2007).



Foto: https://www.pinterest.pt

sábado, 28 de dezembro de 2019






Sempre que me procuro não me encontro em mim,
Pois há pedaços do meu ser que andam dispersos
Nas sombras do jardim,
Nos silêncios da noite,
Nas músicas do mar,
E sinto os olhos, sob as pálpebras, imersos
Nesta serena unção crepuscular
Que lhes prolonga o trágico tresnoite
Da vigília sem fim,
Abro meu coração, como um jardim,
E desfolho a corola dos meus versos (...)




Hermes Fontes, compositor e poeta brasileiro 1888/1930

sexta-feira, 27 de dezembro de 2019







Quiero que mi poesía se acerque a la música, 
algo que todos pueden entender. 
Y que mi país sea libre. 
Entonces podré decir cosas buenas de Israel. 
Entonces podré elegir el exilio, si quiero. 
Deseo que mi país tenga una vida normal. 
No quiero ni héroes ni víctimas.





Mahmud Darwish

segunda-feira, 23 de dezembro de 2019






No azul profundo as estrelas eram cintilantemente esverdeadas, amarelas, brancas, cor-de-rosa, de um brilhante mais vítreo do que em casa – mesmo em Paris: chame-se-lhes opalas, esmeraldas, lapis lazuli, rubis, safiras. Certas estrelas são amarelo-limão, outras têm um rubor rosa, ou um verde ou azul ou um brilho que não se esquece. E sem querer alargar-me neste assunto torna-se suficientemente claro que colocar pequenos pontos brancos numa superfície azul-preta não basta.





Vincent van Gogh



Vincent van Gogh - Noite Estrelada Sobre o Ródano