segunda-feira, 5 de junho de 2017





Tristeza

O sol do outono, as folhas a cair,
A minha voz baixinho soluçando,
Os meus olhos, em lagrimas, beijando
A terra, e o meu espirito a sorrir...

Eis como a minha vida vae passando
Em frente ao seu Phantasma... E fico a ouvir
Silencios da minh'alma e o resurgir
De mortos que me fôram sepultando...

E fico mudo, extatico, parado
E quasi sem sentidos, mergulhando
Na minha viva e funda intimidade...

Só a longinqua estrela em mim actua...
Sou rocha harmoniosa á luz da lua,
Petreficada esphinge de saudade...


Teixeira de Pascoaes, in 'Elegias'


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sábado, 3 de junho de 2017




Quando ela fala, parece
Que a voz da brisa se cala;
Talvez um anjo emudece
Quando ela fala.

Meu coração dolorido
As suas mágoas exala,
E volta ao gozo perdido
Quando ela fala.

Pudesse eu eternamente,
Ao lado dela, escutá-la,
Ouvir sua alma inocente
Quando ela fala.

Minha alma, já semi morta,
Conseguira ao céu alçá-la
Porque o céu abre uma porta
Quando ela fala.



Machado de Assis


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sexta-feira, 2 de junho de 2017





Não digas que eu não estava à janela,
que não foi para ti o que não viste.
Há tanta coisa que não sabes, não digas.
Um dia ver-me-ás à janela de ontem
com a roupa que hei-de vestir amanhã.
Até lá pensa que me sonhaste. Nem eu mesma sei
o que fiz nesse dia. Mas a janela guarda os meus dedos
como tu me guardas. O tempo é uma invenção recente.
Era uma vez essa mulher que viste. Retira o vidro,

a moldura, e não te esqueças de abrir o horizonte.

Rosa Alice Branco 




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quinta-feira, 1 de junho de 2017




Escuta, 

Escuta: tenho ainda
uma coisa a dizer.
Não é importante, eu sei, não vai
salvar o mundo, não mudará
a vida de ninguém - mas quem
é hoje capaz de salvar o mundo
ou apenas mudar o sentido
da vida de alguém?
Escuta-me, não te demoro.
É coisa pouca, como a chuvinha
que vem vindo devagar.
São três, quatro palavras, pouco
mais. Palavras que te quero confiar,
para que não se extinga o seu lume,
o seu lume breve.
Palavras que muito amei,
que talvez ame ainda.
Elas são a casa, o sal da língua.

Eugénio de Andrade






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terça-feira, 30 de maio de 2017




Não te rendas
Não te rendas, ainda estás a tempo
De alcançar e começar de novo,
Aceitar as tuas sombras,
Enterrar os teus medos,
Libertar o lastro,
Retomar o voo.
Não te rendas que a vida é isso,
Continuar a viagem
Perseguir os teus sonhos,
Destravar o tempo,
Remover os escombros,
e destapar o céu.
Não te rendas, por favor não cedas,
Mesmo que o frio queime,
Mesmo que o medo morda,
Mesmo que o sol se esconda,
E se cale o vento,
Ainda há fogo na tua alma
Ainda há vida nos teus sonhos.
Porque a vida é tua e teu também o desejo
Porque o quiseste e porque eu te quero
Porque existe o vinho e o amor, é certo.
Porque não há feridas que não cure o tempo.
Abrir as portas,
Tirar os ferrolhos,
Abandonar as muralhas que te protegeram,
Viver a vida e aceitar o repto,
Recuperar o riso,
Ensaiar um canto,
Baixar a guarda e estender as mãos
Abrir as asas
E tentar de novo,
Celebrar a vida e retomar os céus.
Não te rendas, por favor não cedas,
Mesmo que o frio queime,
Mesmo que o medo morda,
Mesmo que o sol se ponha e se cale o vento,
Ainda há fogo na tua alma,
Ainda há vida nos teus sonhos
Porque cada dia é um começo novo,
Porque esta é a hora e o melhor momento.
Porque não estás só, porque eu te amo


Mario Benedetti


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segunda-feira, 29 de maio de 2017




CICLO

tenho o rio
e o futuro das margens
tênue memória
de antigas águas

abro os braços
e a sede é uma estrada
centrada no tempo
de minhas palavras

penso e não penso
em dirigir meu barco
por rotas inatas
de infinitos portos


BEATRIZ AMARAL
In: Planagem. São Paulo: Massao Ohno, 1998




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domingo, 28 de maio de 2017




E eu te beijava
sem me dar conta
de que não te dizia:
Oh lábios de cereja!

Que grande romântica
eras!
Bebias vinagre às escondidas
de tua avó.
Toda te enfeitaste como um
arbusto de primavera.
E eu estava enamorado
de outra. Vê que pena?
De outra que escrevia
um nome sobre a areia.

Federico García Lorca,

 in 'Poemas Esparsos'


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