sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

 

 

 


 

Recordar David Mourão-Ferreira, escritor e poeta português (1927-1996).

 

 

 

Praia do Paraíso

 

Era a primeira vez que nus os nossos corpos

Apesar da penumbra á vontade se olhavam

Surpresos de saber que tinham tantos olhos

Que podiam ser luz de tantos candelabros

 

Era a primeira vez cerrados os estores

Só o rumor do mar permanecera em casa

E sabias a sal, e cheiravas a limos

Que tivesses ouvido o canto das cigarras

 

Havia mais que céu no céu do teu sorriso

Madrugada de tudo em tudo que sonhavas

Em teus braços tocar era tocar os ramos

 

Que estremecem ao sol desde que o mundo é mundo

É preciso afinal chegar aos cinquenta anos

Para se ver que aos vinte é que se teve tudo.

 

 

David Mourão-Ferreira

 

 

 

 

 

 

 


 

terça-feira, 21 de fevereiro de 2023







Bright Star

 

Estrela brilhante, fosse eu como tu és constante -

Não em solitário esplendor no alto do céu pendurado

E com as eternas pálpebras abertas vigilante,

Como um eremita da natureza paciente e acordado,

 

As águas movendo-se em sua tarefa sacerdotal

De pura ablução nas praias da terra inteira

Ou observar a máscara virginal

da neve sobre cada charneca e cordilheira -

 

Não - apesar de ainda constante, imutável ainda,

Acomodado sobre o seio maduro da minha amada linda,

Sentir para sempre seu suave subir e descer,

 

Despertar para sempre em doce desassossego,

Ainda, ainda ouvir seu delicado ofego,

E viver para sempre - ou então na morte desfalecer.

 

John Keats  (1795-1821)

 

Tradução de Alex Raymundo