quinta-feira, 20 de outubro de 2022
20 de Outubro - Dia do Poeta
À altura do teu rosto
os meus olhos habitam no silêncio brilhante.
Não olho: no côncavo vazio recebo-te
igual a ti, a teu lado,
teu rosto me alimenta
de fraterno orvalho.
Tu modelas-me no antigo carinho das únicas
coisas preciosas,
refazes-me na transparência fraternal,
dás-me a forma translúcida da vida,
a sede luminosa em que tudo se renova.
António Ramos Rosa
(Inédito, 1962)
Portugal (Faro) 1924-2013
in O teu rosto
Editor: Edições Asa
quinta-feira, 6 de outubro de 2022
sábado, 24 de setembro de 2022
sábado, 17 de setembro de 2022
terça-feira, 5 de julho de 2022
Confidência
Diz o meu nome
Pronuncia-o
Como se as sílabas te queimassem os lábios
Sopra-o com a suavidade
De uma confidência
Para que o escuro apeteça
Para que se desatem os teus cabelos
Para que aconteça
Porque eu cresço para ti
Sou eu dentro de ti
Que bebe a última gota
E te conduzo a um lugar
Sem tempo nem contorno
Porque apenas para os teus olhos
Sou gesto e cor
E dentro de ti
Me recolho ferido
Exausto dos combates
Em que a mim próprio me venci
Porque a minha mão infatigável
Procura o interior e o avesso
Da aparência
Porque o tempo em que vivo
Morre de ser ontem
Ee é urgente inventar
Outra maneira de navegar
Outro rumo outro pulsar
Para dar esperança aos portos
Que aguardam pensativos
No húmido centro da noite
Diz o meu nome
Como se eu te fosse estranho
Como se fosse intruso
Para que eu mesmo me desconheça
E sobressalta-me
quando suavemente
pronunciares o meu nome.
Mia Couto, escritor e biólogo moçambicano. (1955)
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