Ocaso no Mar
O céu, a valva azul de uma concha semelha,
De que outra valva é o mar ouriçado de escamas.
No ponto de junção o sol — molusco em chamas
Do abismo estende no ar a incendida centelha.
Listões de intenso azul, raias de cor vermelha,
Grandes manchas de opala, arabescos e lhamas,
Da luz todos os tons, de cor todas as gemas
Vibram na valva azul que a valva verde espalha.
Mas todo esse fulgor esmaece e se apaga,
Tímido, o olhar do sol boia de vaga em vaga,
Porque uma sombra investe a sua concha enorme.
É a noite: ... Como um polvo insidioso, se eleva,
Desenrola os seus mil tentáculos de treva...
E o sol, vendo-o crescer, fechas as valvas e dorme.
Artur de Sales, poeta, tradutor e escritor brasileiro (1879-1952)
Photo: https://www.pinterest.pt/cinafraga/