sexta-feira, 25 de maio de 2018


Belmiro Ferreira Braga disse: Dizem que a lágrima nasce do fundo do coração...
Ah! se a lágrima falasse, que doce consolação!







quarta-feira, 23 de maio de 2018





A Cor  das Estrelas

Uma estrela é da cor que existe em nós...
Azul ou amarela... tanto faz!
A cor da estrela muda porque traz
Ecos do nosso olhar, da nossa voz...
.
A estrela tem a cor que Deus quiser
Reluz e vai pulsando em nosso peito...
Se o nosso olhar procura o que é perfeito
Só nos devolve a cor que nele houver...
.
São todas como espelhos pequeninos
A enfeitar o Grande Firmamento!
São os olhos do céu, às vezes choram...
.
Todas têm a luz desses destinos
Que ascendem em total deslumbramento
E são da cor dos sonhos que lá moram!

Maria João Brito de Sousa




Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/


terça-feira, 22 de maio de 2018




Volúpia


No divino impudor da mocidade,
Nesse êxtase pagão que vence a sorte,
Num frêmito vibrante de ansiedade,
Dou-te o meu corpo prometido à morte!

A sombra entre a mentira e a verdade...
A nuvem que arrastou o vento norte...
- Meu corpo! Trago nele um vinho forte:
Meus beijos de volúpia e de maldade!

Trago dálias vermelhas no regaço...
São os dedos do sol quando te abraço,
Cravados no teu peito como lanças!

E do meu corpo os leves arabescos
Vão-te envolvendo em círculos dantescos
Felinamente, em voluptuosas danças...

Florbela Espanca, in "Charneca em Flor"




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segunda-feira, 21 de maio de 2018


21 de Maio - Dia da Língua Nacional





Vaga, no Azul Amplo Solta
Vaga, no azul amplo solta,
Vai uma nuvem errando.
O meu passado não volta.
Não é o que estou chorando.

O que choro é diferente.
Entra mais na alma da alma.
Mas como, no céu sem gente,
A nuvem flutua calma.

E isto lembra uma tristeza
E a lembrança é que entristece,
Dou à saudade a riqueza
De emoção que a hora tece.

Mas, em verdade, o que chora
Na minha amarga ansiedade
Mais alto que a nuvem mora,
Está para além da saudade.

Não sei o que é nem consinto
À alma que o saiba bem.
Visto da dor com que minto
Dor que a minha alma tem.

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"



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domingo, 20 de maio de 2018





Poema sobre a Recusa

Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
nem na polpa dos meus dedos
se ter formado o afago
sem termos sido a cidade
nem termos rasgado pedras
sem descobrirmos a cor
nem o interior da erva.

Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado
minha raiva de ternura
meu ódio de conhecer-te
minha alegria profunda.
               

Maria Teresa Horta, escritora e poetisa portuguesa. (1937)




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sábado, 19 de maio de 2018





Além-tédio

Nada me expira já, nada me vive -
Nem a tristeza nem as horas belas.
De as não ter e de nunca vir a tê-las,
Fartam-me até as coisas que não tive.

Como eu quisera, enfim de alma esquecida,
Dormir em paz num leito de hospital...
Cansei dentro de mim, cansei a vida
De tanto a divagar em luz irreal.

Outrora imaginei escalar os céus
À força de ambição e nostalgia,
E doente-de-Novo, fui-me Deus
No grande rastro fulvo que me ardia.

Parti. Mas logo regressei à dor,
Pois tudo me ruiu... Tudo era igual:
A quimera, cingida, era real,
A própria maravilha tinha cor!

Ecoando-me em silêncio, a noite escura
Baixou-me assim na queda sem remédio;
Eu próprio me traguei na profundura,
Me sequei todo, endureci de tédio.

E só me resta hoje uma alegria:
É que, de tão iguais e tão vazios,
Os instantes me esvoam dia a dia
Cada vez mais velozes, mais esguios...


Mário de Sá-Carneiro, poeta português 1890- 1916



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quarta-feira, 16 de maio de 2018





Vésper

Do seu fastígio azul, serena e fria,
Desce a noite outonal, augusta e bela;
Vésper fulgura além... Vésper! Só ela
Todo o céu, doce e pálida, alumia.

De um mosteiro na cúpula irradia
Com frouxa luz... Em sua humilde cela,
Contemplativa e lânguida à janela,
Triste freira, fitando-a, se extasia...

Vésper, envolta em deslumbrante alvura,
Ó nuvens, que ides pelo espaço afora!
A quem tão longo olhar volve da altura?

Que olhar, irmão do seu, procura agora
Na terra o astro do amor? O olhar procura
Da solitária freira que o namora.

Raimundo Correia, poeta brasileiro 1859-1911

Publicado no livro Aleluias (1891).




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