segunda-feira, 6 de novembro de 2017




E Todos os Jardins

Em todos os jardins hei-de florir,
Em todos beberei a lua cheia,
Quando enfim no meu fim eu possuir
Todas as praias onde o mar ondeia.

Um dia serei eu o mar e a areia,
A tudo quanto existe me hei-de unir,
E o meu sangue arrasta em cada veia
Esse abraço que um dia há-de abrir.

Então receberei no meu desejo
Todo o fogo que habita na floresta
Conhecido por mim como num beijo.

Então serei o ritmo das paisagens,
A secreta abundância dessa festa
Que eu via prometida nas imagens.

Sophia de Mello Breyner Andresen



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sábado, 4 de novembro de 2017





Mordiscas-me os lábios
cão pássaro rapaz
(não quero que te vás embora
e sei que vais ter que te ir embora)
quero dormir contigo
com a tua mão
sobre o meu coração
para que saibas
os meus segredos
beliscas-me ao de leve
eu sei que não é um sonho
mas é como um sonho
para mim


Adília Lopes
Portugal 1960
in “Dobra – Poesia Reunida”


 Foto: Anna Belova-model

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sexta-feira, 3 de novembro de 2017




Se te amo, não sei!

Amar! se te amo, não sei.
Oiço aí pronunciar
Essa palavra de modo
Que não sei o que é amar.

Se amar é sonhar contigo,
Se é pensar, velando, em ti,
Se é ter-te n'alma presente
Todo esquecido de mim!

Se é cobiçar-te, querer-te
Como uma bênção dos céus
A ti somente na terra
Como lá em cima a Deus;

Se é dar a vida, o futuro,
Para dizer que te amei:
Amo; porém se te amo
Como oiço dizer, - não sei.

Sei que se um gênio bom me aparecesse
E tronos, glórias, ilusões floridas,
E os tesouros da terra me oferecesse
E as riquezas que o mar tem escondidas;

E do outro lado - a ti somente, - e o gozo
Efêmero e precário - e após a morte;
E me dissesse: "Escolhe" - oh! jubiloso,
Exclamara, senhor da minha sorte! -

Que tesouro na terra há i que a iguale?
Quero-a mil vezes, de joelhos - sim!
Bendita a vida que tal preço vale,
E que merece de acabar assim!


Gonçalves Dias




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quinta-feira, 2 de novembro de 2017




Tristêza


O sol do outono, as folhas a cair,
A minha voz baixinho soluçando,
Os meus olhos, em lagrimas, beijando
A terra, e o meu espirito a sorrir...

Eis como a minha vida vae passando
Em frente ao seu Phantasma... E fico a ouvir
Silencios da minh'alma e o resurgir
De mortos que me fôram sepultando...

E fico mudo, extatico, parado
E quasi sem sentidos, mergulhando
Na minha viva e funda intimidade...

Só a longinqua estrela em mim actua...
Sou rocha harmoniosa á luz da lua,
Petreficada esphinge de saudade...

Teixeira de Pascoaes, in 'Elegias'


Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/


quarta-feira, 1 de novembro de 2017




Encantamento


Quantas vezes, ficava a olhar, a olhar
A tua dôce e angelica Figura,
Esquecido, embebido num luar,
Num enlêvo perfeito e graça pura!

E á força de sorrir, de me encantar,
Deante de ti, mimosa Creatura,
Suavemente sentia-me apagar...
E eu era sombra apenas e ternura.

Que inocencia! que aurora! que alegria!
Tua figura de Anjo radiava!
Sob os teus pés a terra florescia,

E até meu proprio espirito cantava!
Nessas horas divinas, quem diria
A sorte que já Deus te destinava!

Teixeira de Pascoaes, in 'Elegias'




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terça-feira, 31 de outubro de 2017





Poema de Sete Faces
 

Quando nasci, um anjo torto desses que vivem na sombra disse:
Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul, não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos não perguntam nada.
O homem atrás do bigode é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo,
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
 


Carlos Drummond de Andrade


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segunda-feira, 30 de outubro de 2017




A Alquimia do Amor

Chegas a nós
Vindo de um outro mundo
Além das estrelas e
De um espaço sem fim.
Transcedental, puro,
De uma beleza inimaginável,
Trazendo contigo
A essência do amor.
Tu  transformas  tudo o que tocas
Aflições banais,
Problemas e tristezas
Dissolvem-se na sua presença,
Trazendo alegria
Aos comandantes e aos comandados,
Aos plebeus e aos reis.
Enfeitiças-nos
Com tua graça.
Qualquer mal
Transforma-se em
Bem.
Tu acendes  a chama do amor
Na terra e no céu,
No coração e na alma
De cada ser humano.
Com seu amor
O existir e o não-existir se unem.
Os opostos de fundem.
E tudo o que é profano
Torna-se sagrado outra vez.


Jalal ud-Din Rumi



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