quarta-feira, 13 de setembro de 2017




Auto-retrato

Espáduas brancas palpitantes:
asas no exílio dum corpo.
Os braços calhas cintilantes
para o comboio da alma.
E os olhos emigrantes
no navio da pálpebra
encalhado em renúncia ou cobardia.
Por vezes fêmea. Por vezes monja.
Conforme a noite. Conforme o dia.
Molusco. Esponja
embebida num filtro de magia.
Aranha de ouro
presa na teia dos seus ardis.
E aos pés um coração de louça
quebrado em jogos infantis.

- Natália Correia, 
em "Poesia completa - Natália Correia". 
Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1999.



Painting By Annick Bouvattier

terça-feira, 12 de setembro de 2017




Amor

Amemos! Quero de amor
Viver no teu coração!
Sofrer e amar essa dor
Que desmaia de paixão!
Na tu’alma, em teus encantos
E na tua palidez
E nos teus ardentes prantos
Suspirar de languidez!

Quero em teus lábio beber
Os teus amores do céu,
Quero em teu seio morrer
No enlevo do seio teu!
Quero viver d’esperança,
Quero tremer e sentir!
Na tua cheirosa trança
Quero sonhar e dormir!

Vem, anjo, minha donzela,
Minha’alma, meu coração!
Que noite, que noite bela!
Como é doce a viração!
E entre os suspiros do vento
Da noite ao mole frescor,
Quero viver um momento,
Morrer contigo de amor!

Álvares de Azevedo



12 de Setembro de 1831 nasce  Álvares de Azevedo, poeta e escritor brasileiro (m. 1852)


segunda-feira, 11 de setembro de 2017




Nirvana

Viver assim: sem ciúmes, sem saudades,
Sem amor, sem anseios, sem carinhos,
Livre de angústias e felicidades,
Deixando pelo chão rosas e espinhos;

Poder viver em todas as idades;
Poder andar por todos os caminhos;
Indiferente ao bem e às falsidades,
Confundindo chacais e passarinhos;

Passear pela terra, e achar tristonho
Tudo que em torno se vê, nela espalhado;
A vida olhar como através de um sonho;

Chegar onde eu cheguei, subir à altura
Onde agora me encontro - é ter chegado
Aos extremos da Paz e da Ventura!

Antero de Quental



Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/

domingo, 10 de setembro de 2017




Cantiga para não morrer

Quando você se for embora,
moça branca como a neve,
leva-me.

Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.

Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.

E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.

Ferreira Gullar



Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/

sábado, 9 de setembro de 2017




Baladas Românticas - Verde...

Como era verde este caminho!
Que calmo o céu! que verde o mar!
E, entre festões, de ninho em ninho,
A Primavera a gorjear!...
Inda me exalta, como um vinho,
Esta fatal recordação!
Secou a flor, ficou o espinho...
Como me pesa a solidão!

Órfão de amor e de carinho,
Órfão da luz do teu olhar,
- Verde também, verde-marinho,
Que eu nunca mais hei de olvidar!
Sob a camisa, alva de linho,
Te palpitava o coração...
Ai! coração! peno e definho,
Longe de ti, na solidão!

Oh! tu, mais branca do que o arminho,
Mais pálida do que o luar!
- Da sepultura me avizinho,
Sempre que volto a este lugar...
E digo a cada passarinho:
"Não cantes mais! que essa canção
Vem me lembrar que estou sozinho,
No exílio desta solidão!"

No teu jardim, que desalinho!
Que falta faz a tua mão!
Como inda é verde este caminho...
Mas como o afeia a solidão!

Olavo Bilac, in "Poesias"



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sexta-feira, 8 de setembro de 2017




De  Mamnhã  Cedo

Minha esposa querida e boa.
Minha bem amada esposa,
Que logo pela manhã
Negro café, branco leite,

É ela mesma quem serve!
E com que encanto, que sorriso!
Em todo o mundo de Cristo
Não há quem sorria assim.

E a flauta que é sua voz
Só entre os anjos se encontra.
Cá por baixo, quando muito,
Entre os melhores rouxinóis.

E as mãos que são como lírios
E os cabelos que entressonham
Em volta do róseo rosto!
Ah, tudo nela é perfeito!
Hoje, porém, ocorreu-me
- Não sei porquê - que um pouquinho
Mais elegante o seu corpo
Pudera ser. Um pouquinho.
Seu beijo doce é meu apego,
Sem falar na ardência final.

Christian Johann Heinrich Heine



Foto: https://www.pinterest.pt/cinafraga/

quinta-feira, 7 de setembro de 2017




A mulher que quero

Eu quero uma mulher de aço
que seja leve como a pena,
cujo sorriso seja um laço
a me prender como um poema.
Eu quero uma mulher madura
a me guiar durante o dia,
quando for noite ser vadia
a me domar sem armadura
e a me tomar como num sonho,
uma mulher que seja a lua
dentro do sol em que me ponho.
Eu quero uma mulher de ferro
com um aplauso pra quando acerto
e um perdão pra quando erro,
como alguém que seja o brilho
dentro do escuro em que me encerro.
Uma mulher que seja plena
uma amante de verdade
que seja motivo de lembrança
e um intervalo na saudade
que, diurna, me cuida,
mas que, noturna me invade.
Eu quero uma mulher-mãe
que seja vinho, cerveja,
refrigerante, champanhe,
que me entenda se viajo
e se fico me acompanhe.
Eu quero uma mulher toda
que me edifique como homem
e algo depois me exploda.

Pio Vargas

7 De Setembro de 1964 nasce Pio Vargas, poeta brasileiro (m. 1991).